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Gêneros literários

 Os gêneros literários são uma classificação teórica que tem o objetivo de separar cada texto literário segundo suas características específicas e suas semelhanças com textos da mesma espécie, de maneira a facilitar o estudo e a compreensão de cada um deles. Assim, o texto literário pode ser classificado como épico ou narrativo, lírico ou dramático. Além disso, essas categorias podem ser subcategorizadas, isto é, um gênero pode ser subdividido.

Desse modo, a epopeia, o romance, o conto, a novela e a fábula apresentam características em comum, típicas do gênero narrativo, mas também características particulares que os diferenciam e, por conseguinte, que os subcategorizam. O mesmo ocorre com os subgêneros ode, elegia, madrigal, epitalâmio e écloga, categorizados como gênero lírico, e a tragédia, comédia, farsa e auto, classificados como gênero dramático.

Gênero épico ou narrativo

O texto épico é uma narrativa heroica.
O texto épico é uma narrativa heroica.

O texto literário do gênero épico ou narrativo conta uma história e apresenta os seguintes elementos:

  • narrador ou narradora;
  • personagens;
  • enredo;
  • tempo;
  • espaço.

No entanto, nem sempre um texto do gênero narrativo pode ser chamado de épico, pois essa característica está associada à presença de um herói, como bem ilustram os poemas épicos da Antiguidade. Esses textos eram grandes narrativas escritas em verso que contavam fatos heroicos e mitológicos. Porém, no século XVIII, surgiu o romance, que substituiu os poemas narrativos no gosto do público leitor. Nessa nova categoria, o protagonista não é mais um herói com características mitológicas ou extraordinárias, mas sim um indivíduo comum e cheio de imperfeições.

Como exemplo do gênero épico, podemos citar a Odisseia, de Homero. Nesse poema narrativo, Ulisses (ou Odisseu) é o grande herói e vence obstáculos ao voltar para casa, depois da Guerra de Troia.

Canta, ó Musa, o varão que astucioso,

Rasa Ílion santa, errou de clima em clima,

Viu de muitas nações costumes vários.

Mil transes padeceu no equóreo ponto,

Por segurar a vida e aos seus a volta;

Baldo afã! pereceram, tendo insanos

Ao claro Hiperiônio os bois comido,

Que não quis para a pátria alumiá-los.

Tudo, ó prole Dial, me aponta e lembra.|1|

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Com o advento do romance, as narrativas passaram a ser escritas em prosa e não mais em versos, como podemos ver neste trecho de A metamorfose (1915), de Franz Kafka (1883-1924):

Gregor ficou paralisado de susto; correr adiante era inútil, pois o pai havia se decidido a bombardeá-lo. Da fruteira sobre a credência ele havia enchido os bolsos e arremessava as maçãs uma a uma, sem cuidar em mirar com maior precisão. As pequenas maçãs vermelhas rolavam sobre o chão como se estivessem eletrizadas, chocando-se umas às outras. Uma maçã atirada sem força roçou as costas de Gregor, resvalando sem lhe causar dano. Outra, que foi atirada logo a seguir, pelo contrário, literalmente penetrou nas costas de Gregor; Gregor quis se arrastar adiante, como se a dor surpreendente e incrível pudesse passar com a mudança de lugar; mas ele se sentia como se estivesse pregado ao chão e espichou seu corpo em completa confusão de todos os sentidos.”|2|

Leia também: Epopeia – texto narrativo escrito em versos

Gênero lírico

O texto lírico expressa emoções, desejos ou ideias.
O texto lírico expressa emoções, desejos ou ideias.

O texto literário do gênero lírico é caracterizado pela expressão subjetiva de emoções, desejos e ideias. São exemplos desse gênero poemas e letras de música. Daí temos uma poesia lírica em oposição a uma poesia narrativa ou épica. Veja que, no Soneto de separação, de Vinicius de Moraes (1913-1980), há fatos, mas não uma história sendo contada. Não podemos apontar personagens ou o lugar de uma ação. O que sobressai nesse poema lírico é a expressão de emoções:

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Já no trecho abaixo, da letra de música Eduardo e Mônica, de Renato Russo, apesar de estar escrito em versos e ser uma letra, o texto não é do gênero lírico, mas sim do gênero narrativo, já que conta uma história, portanto apresenta personagens, tempo e espaço:

Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque

No outro canto da cidade, como eles disseram

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse
“Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir”

Festa estranha, com gente esquisita
“Eu não tou legal, não aguento mais birita”
E a Mônica riu e quis saber um pouco mais
Sobre o
boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa

“É quase duas, eu vou me ferrar”

[...]

E, por fim, o trecho abaixo, da letra de música Amor marginal, de Johnny Hooker, é mais um exemplo do gênero lírico. Observe que o eu lírico apenas expressa seus desejos e sentimentos, ele não conta uma história:

Minha flor, não me machuques
Minha dor, não me abuses assim
Não tire mágoas

Tire mágoas de mim
Meu amor, não me invadas
Com o teu olhar
Não me deixes aqui a gritar

No meio do caminho, sozinho

[...]

Respirando mágoas de uma outra dor
Do nosso caso imoral
Desse amor, desse amor marginal
Eu vou

[...]

Leia também: O que é poema?

Gênero dramático

O texto dramático pode ser cômico ou trágico.
O texto dramático pode ser cômico ou trágico.

O texto literário do gênero dramático é aquele escrito para ser encenado, ou seja, peças de teatro e roteiros de cinema. Normalmente, ele tem a seguinte estrutura:

  • atos (partes da peça);
  • cenas que compõem os atos;
  • rubricas (instruções do dramaturgo);
  • falas dos personagens.

Mas atenção, não associe o gênero dramático à tristeza. Os textos desse gênero podem ser trágicos (funestos ou tristes) ou cômicos (engraçados ou ridículos). O que define esse gênero é o fato, como mencionamos anteriormente, de ele ser escrito com o objetivo de ser representado.

Como exemplo de tragédia, destacamos um trecho da peça de teatro Da Cabula (2008), de Allan da Rosa, que conta a história de Filomena. Nesse texto teatral, a protagonista tenta vencer as dificuldades de seu cotidiano para aprender a ler:

Cena 1

(Na casa dos patrões. Dona Filomena da Cabula usando uniforme de doméstica, sentada e curvada, corta suas unhas num quartinho separado. Ouve um radinho chiado. O volume do programa vai diminuindo, assim como a luz que a foca. Ao mesmo tempo, direciona-se luz no set do outro lado do palco, focando a sala de jantar repleta de quadros, estatuetas e motivos “folclóricos”. Em primeiro plano, na mesa, o casal de patrões conversa durante a refeição.)

ADELAIDE — Calvino, ela quer aprender a ler, quer saber de contrato, viajar em estória, em livro.

(O marido mastiga, tom de desdém, e fala alto, quer ser ouvido lá longe por Filomena.)

CALVINO — [...]. Teve um amigo de vovô, papai que contou: o negão lá queria ler, essa mesma conversa aí... Ele arrancou as pálpebras do cabra, [...]. Ué, não queria ver a luz? Então, ficou arregalado noite e dia.

[...]

E como exemplo de comédia, vamos ler o trecho a seguir da famosa peça de teatro Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna (1927-2014):

JOÃO GRILO

Mas Chicó, e o rio São Francisco?

CHICÓ

Lá vem você com sua mania de pergunta, João.

JOÃO GRILO

Claro, tenho que saber. Como foi que você passou?

CHICÓ

Não sei, só sei que foi assim. Só podia estar seco nesse tempo, porque não me lembro quando passei... E nesse tempo todo o cavalo ali comigo, sem reclamar nada!

JOÃO GRILO

Eu me admirava era se ele reclamasse.

Veja também: Álvares de Azevedo – autor romântico que escreveu o texto teatral Macário

Outros gêneros e subgêneros

Os gêneros literários são divididos em subgêneros.

Gênero narrativo ou épico:

  • Epopeia: longo poema narrativo.
  • Romance: longa narrativa em prosa.
  • Conto: curta narrativa em prosa.
  • Novela: narrativa em prosa com dimensões entre o conto e o romance.
  • Fábula: narrativa curta protagonizada por animais e com uma moral.

Gênero lírico:

  • Ode: realiza uma homenagem, enaltece alguém ou alguma coisa.
  • Elegia: composição de teor melancólico.
  • Madrigal: poesia pastoril e heroica.
  • Epitalâmio: poema nupcial, que celebra o casamento.
  • Écloga: poesia pastoril, com diálogos.

Gênero dramático:

  • Tragédia: temática funesta, trágica.
  • Comédia: temática engraçada ou ridícula.
  • Farsa: peça cômica de um só ato.
  • Auto: peça de teor moral, místico ou satírico, de um só ato.
Os gêneros literários consistem em uma classificação que agrupa textos com estruturas semelhantes.
Os gêneros literários consistem em uma classificação que agrupa textos com estruturas semelhantes.

Resumo

Épico ou narrativo: possui narrador ou narradora, personagens, enredo, tempo e espaço.

- Subgêneros:

  • Epopeia
  • Romance
  • Conto
  • Novela
  • Fábula

Lírico: a voz poética expressa emoções, desejos ou ideias.

- Subgêneros:

  • Ode
  • Elegia
  • Madrigal
  • Epitalâmio
  • Écloga

Dramático: composto de textos escritos para a encenação.

- Subgêneros:

  • Tragédia
  • Comédia
  • Farsa
  • Auto

Exercícios resolvidos

Questão 1 - (Enem)

Lições de motim

DONA COTINHA — É claro! Só gosta de solidão quem nasceu pra ser solitário. Só o solitário gosta de solidão. Quem vive só e não gosta da solidão não é um solitário, é só um desacompanhado. (A reflexão escorrega lá pro fundo da alma.) Solidão é vocação, besta de quem pensa que é sina. Por isso, tem de ser valorizada. E não é qualquer um que pode ser solitário, não. Ah, mas não é mesmo! É preciso ter competência pra isso. (De súbito, pedagógica, volta-se para o homem.) É como poesia, sabe, moço? Tem de ser recitada em voz alta, que é pra gente sentir o gosto. (FAZ UMA PAUSA.) Você gosta de poesia? (O HOMEM TORNA A SE DEBATER. A VELHA INTERROMPE O DISCURSO E VOLTA A LHE DAR AS COSTAS, COMO SEMPRE, IMPASSÍVEL. O HOMEM, MAIS UMA VEZ, CANSADO, DESISTE.) Bem, como eu ia dizendo, pra viver bem com a solidão temos de ser proprietários dela e não inquilinos, me entende? Quem é inquilino da solidão não passa de um abandonado. É isso aí.

ZORZETTI, H. Lições de motim. Goiânia: Kelps, 2010 (adaptado).

Nesse trecho, o que caracteriza Lições de motim como texto teatral?

A) O tom melancólico presente na cena.

B) As perguntas retóricas da personagem.

C) A interferência do narrador no desfecho da cena.

D) O uso de rubricas para construir a ação dramática.

E) As analogias sobre a solidão feitas pela personagem.

Resolução

Alternativa D. Uma das características do gênero dramático é o uso de rubricas, ou seja, das instruções do dramaturgo na construção da ação dramática.

Questão 02 (Enem)

Vó Clarissa deixou cair os talheres no prato, fazendo a porcelana estalar. Joaquim, meu primo, continuava com o queixo suspenso, batendo com o garfo nos lábios, esperando a resposta. Beatriz ecoou a palavra como pergunta, “o que é lésbica?”. Eu fiquei muda. Joaquim sabia sobre mim e me entregaria para a vó e, mais tarde, para toda a família. Senti um calor letal subir pelo meu pescoço e me doer atrás das orelhas. Previ a cena: vó, a senhora é lésbica? Porque a Joana é. A vergonha estava na minha cara e me denunciava antes mesmo da delação. Apertei os olhos e contraí o peito, esperando o tiro. […]

[…] Pensei na naturalidade com que Taís e eu levávamos a nossa história. Pensei na minha insegurança de contar isso à minha família, pensei em todos os colegas e professores que já sabiam, fechei os olhos e vi a boca da minha vó e a boca da tia Carolina se tocando, apesar de todos os impedimentos. Eu quis saber mais, eu quis saber tudo, mas não consegui perguntar.

POLESSO, N. B. Vó, a senhora é lésbica? Porto Alegre: Não Editora, 2015 (fragmento).

A situação narrada revela uma tensão fundamentada na perspectiva do

A) conflito com os interesses de poder.

B) silêncio em nome do equilíbrio familiar.

C) medo instaurado pelas ameaças de punição.

D) choque imposto pela distância entre as gerações.

E) apego aos protocolos de conduta segundo os gêneros.

Resolução:

Alternativa B. A tensão da narrativa está fundamentada na ideia de silenciar, não revelar, a lesbianidade da personagem, para não causar uma situação desagradável que possa abalar o equilíbrio familiar.

Questão 03 (Enem)

Amor é fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
é solitário andar por entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões.

O poema pode ser considerado como um texto:

A) argumentativo.

B) narrativo.

C) épico.

D) de propaganda.

E) teatral.

Resolução

Alternativa A. O poema em questão pertence ao gênero lírico, portanto não é narrativo, épico ou dramático. Nem se configura em uma propaganda, pois não “vende” uma ideia ou produto. No entanto, ele é argumentativo, pois tenta definir o que é o amor.

Notas

|1| Tradução de Manoel Odorico Mendes.

|2| Tradução de Marcelo Backes. 

Publicado por Warley Souza
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