Luís Vaz de Camões
Luís Vaz de Camões, escritor português do século XVI, construiu, aos moldes clássicos, uma vasta obra, abrangendo os gêneros épico, lírico e dramático, sendo a mais famosa a epopeia Os Lusíadas, na qual, no plano literário, recupera a história portuguesa e exalta os feitos dos navegadores que desbravaram novos horizontes, como o caminho para a Índia. É tido como o mais importante escritor do classicismo e da língua portuguesa.
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Biografia de Luís Vaz de Camões
Por serem muito escassos os documentos referentes à vida de Luís Vaz de Camões, estima-se que ele tenha nascido ou em 1524 ou em 1525, em Lisboa, capital de Portugal. Teria cursado Artes no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. Ainda jovem, ingressou na carreira militar, tendo servido em Marrocos, onde perdeu o olho direito.
De volta a Lisboa, frequentou, entre 1550 e 1552, os salões da nobreza e a boemia local. Em 1552, envolveu-se em uma briga de rua e feriu um suboficial da cavalaria do rei, o que resultou em sua prisão e em seu degredo para a Índia.
Em 1558, já em Macau, exerceu o cargo de provedor de defuntos e ausentes. Em 1559, naufragou na costa do Camboja, salvando-se a nado com o manuscrito de Os Lusíadas em uma de suas mãos. Os anos seguintes da vida de Camões são obscuros. Somente em 1567 foi encontrado, muito pobre, em Moçambique. Com a ajuda de amigos, retorna a Portugal. Em 1572 publica a obra Os Lusíadas, dedicada ao rei Dom Sebastião, o que lhe rendeu uma espécie de pensão, paga com irregularidade. Morreu, em 1580, em estado de extrema pobreza.
Características literárias de Luís Vaz de Camões
Luís Vaz de Camões é o principal representante do classicismo, movimento artístico, literário e científico, que propunha o cultivo, no século XVI, de uma produção inspirada na cultura greco-latina como contraponto ao imaginário medieval, centrado na crença cristã, que permeava as produções artísticas e literárias ao longo da Idade Média na Europa.
Assim, em um contexto histórico marcado por profundas transformações sociais, econômicas, culturais e religiosas, o classicismo promoveu a substituição da fé medieval pelo culto à racionalidade, do cristianismo pela mitologia greco-latina, e, sobretudo, elevou o homem à centralidade de tudo, ressaltando o antropocentrismo em detrimento do teocentrismo (Deus acima de tudo).
Camões, portanto, como principal escritor do classicismo, construiu uma obra que expressou essas características, servindo de modelo para outros autores. No entanto, há que se ressaltar que ele somou a seu conhecimento em cultura clássica as experiências vividas na África, na China e na Índia, o que constituiu, aliado a seu conhecimento literário, filosófico, político e geográfico, um rico repertório para sua obra lírica, épica e dramática.
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Obras de Luís Vaz de Camões
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Teatro
Camões escreveu três peças teatrais em forma de autos, sendo que duas delas, El-rei Seleuco (escrito em 1545 e impresso pela primeira vez em 1616) e Filodemo (1587), lembram os autos da Idade Média, ao passo que a terceira, Anfitriões (1587), expressa características mais marcadamente classicistas, já que tem como inspiração a comédia latina Amphitruo, de Plauto (254 a. C.-184 a. C.).
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Poesia lírica
Na poesia lírica, Camões escreveu poemas em medida velha (redondilhas) e poemas em medida nova (decassílabos), influência dos humanistas italianos, principalmente do poeta Petrarca (1304-1374). As formas líricas compostas foram o soneto, as éclogas, as odes, as oitavas e as elegias.
No aspecto temático, predominaram temas ligados ao neoplatonismo amoroso, à reflexão filosófica e à natureza. Destaca-se, em sua poesia lírica, o seguinte soneto, um dos mais conhecidos do autor:
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor.
Observa-se, nesse soneto, quanto à forma, o esquema de rima ABBA, ABBA, CDC, DCD, aos moldes dos sonetos clássicos italianos. Em relação à temática, destaca-se o Amor como aspecto central do poema, grafado propositalmente com inicial maiúscula para indicar que se trata da essência desse sentimento (ideia universal). Ao longo dos versos e das estrofes, Camões utiliza, para caracterizar esse sentimento, a antítese, figura de linguagem caracterizada pela expressão de paradoxos, ou seja, de ideias que se opõem.
Essa concepção de amor como uma ideia universal, abstração pura e perfeita, manifesta-se também neste outro famoso soneto camoniano:
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está ligada.
Mas esta linda e pura sem ideia,
Que, como um acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia:
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
Assim como no soneto anterior, observa-se nesse o esquema rítmico petrarquiano ABBA, ABBA, CDC, DCD. Em relação ao plano temático, o eu lírico expressa uma concepção platônica acerca do amor, ou seja, uma concepção idealizada segundo a qual esse sentimento pode-se concretizar na imaginação, dispensando, portanto, a concretização física, terrena. Contraditoriamente, a partir do primeiro terceto, há o reconhecimento de que o eu lírico é um sujeito de carne e osso, partícipe da matéria, assim como qualquer outro ser humano, e, portanto, deseja concretizar o amor, até então circunscrito ao plano das ideias.
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Poesia épica
As epopeias são narrativas de temática histórica em que se registram poeticamente, pelo uso de rimas, estrofes, versos, ou seja, dos elementos constitutivos da poesia, as tradições e os ideais de um povo sob a forma de aventuras de um ou de alguns heróis. No Ocidente, destacam-se as epopeias Ilíada (700 a.C.) e Odisseia (provavelmente do final do século XIII a. C.), ambas de autoria atribuída a Homero. Em língua portuguesa, Os Lusíadas, de autoria de Luís Vaz de Camões, é o poema épico mais famoso.
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Os Lusíadas
Os Lusíadas, obra publicada em 1572, narra os feitos heroicos dos portugueses, os quais, em 1498, sob a liderança de Vasco da Gama, comandante da expedição que descobriu o caminho para as Índias, lançaram-se ao mar em busca de expansão comercial e territorial. O termo lusíadas significa “lusitanos”, ou seja, designa o próprio povo português, portanto, o leitor é levado, ao ler a obra, a conhecer uma página importante da história de Portugal.
A obra, escrita em oitava rima, tem 8816 versos, distribuídos em 10 cantos. Divide-se, aos moldes das epopeias clássicas, em cinco partes: proposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo.
1. Proposição: compreende as estrofes 1, 2 e 3, nas quais o poeta apresenta o que vai cantar, ou seja, os feitos heroicos dos barões de Portugal.
Estrofe 1
As armas e os Barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
2. Invocação: compreende as estrofes 4 e 5 do “Canto I”, em que o poeta invoca as Tágides, ninfas do rio Tejo, pedindo a elas inspiração para fazer o poema. A presença desse elemento mitológico é uma importante característica do classicismo, movimento em que Camões é o principal representante.
Estrofe 4
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
3. Dedicatória ou oferecimento: compreende as estrofes 6 a 18, em que o poeta dedica seu poema a Dom Sebastião, rei de Portugal:
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor superno
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo rei, se de tal gente.
4. Narração: compreende as estrofes 19 do “Canto I” até a estrofe 144 do “Canto X”. Nesse trecho, o poeta descreve a viagem dos portugueses ao Oriente, mais precisamente à Índia.
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Canto I: abrange a proposição, a invocação e a dedicatória ou oferecimento.
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Canto II: nessa parte, o poeta narra a chegada dos portugueses à África, após passarem por algumas dificuldades em alto-mar. No continente africano, são recebidos pelo rei de Melinde, cidade na costa índica do continente africano, que pede a Vasco da Gama, capitão da tripulação, que conte sobre a história de Portugal.
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Canto III: ainda em solo africano, Vasco da Gama narra ao rei de Melinde a história da primeira dinastia portuguesa, desde a formação do Estado independente até a Revolução de Assis. Nesse canto, ao tratar do governo de Dom Pedro, o narrador comenta sobre Inês de Castro, amante do príncipe Dom Pedro, assassinada a mando do rei Dom Afonso IV. Observe a estrofe 120:
“Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito;
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos; olhos nunca exuito,
Aos montes ensinando e às ervilhas
O nome que no peito escrito tinhas.”
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Canto IV: Vasco da Gama narra a saída das naus de Lisboa rumo ao Oriente. Nessa ocasião, na praia de Restelo, em Lisboa, um velho profere um discurso contra as viagens marítimas de Portugal, que ele considera uma ofensa aos princípios cristãos. Essa passagem ficou conhecida como Episódio do velho do Restelo.
Estrofe 94
“Mas um velho, de aspecto venerando,
que ficava nas praias, entre a gente,
postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C’um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:”
Estrofe 95
‘Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
c'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
que crueldades nele experimentas!’
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Canto V: nesse trecho, é significativo o episódio do Gigante Adamastor. Essa figura mitológica aparece quando Vasco da Gama e sua tripulação dirigem-se ao Cabo das Tormentas, ou Cabo da Boa Esperança.
“Não acabava, quando ua figura
se nos mostra no ar, robusta e válida,
de disforme e grandíssima estatura;
o rosto carregado, a barba esquálida,
os olhos encovados, e a postura
medonha e má e a cor terrena e pálida;
cheios de terra e crespos os cabelos,
a boca negra, os dentes amarelos.”
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Cantos VI, VII, VIII e IX: nesses quatro cantos, narra-se a chegada dos portugueses à cidade de Calicute, na Índia, ocasião em que enfrentam problemas com os mouros. Antes, porém, como recompensa pela coragem e pelos esforços depreendidos ao longo da viagem, os portugueses são convidados pela deusa Vênus a conhecerem a Ilha dos Amores.
De longe a Ilha viram, fresca e bela,
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Pera onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Pera onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo, enfim, podia.
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Canto X: apresenta-se, nessa parte, o epílogo.
5. Epílogo: compreende as estrofes 145 a 156 do “Canto X”. Trata-se da conclusão da epopeia, momento em que Camões aconselha ao rei Dom Sebastião e ao povo português que se mantenham fiéis à pátria e à fé católica. Os navegantes portugueses decidem, então, voltar para Portugal.
Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dua a austera, apagada e vil tristeza.
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