Barroco

Escola literária, arquitetônica e artística em voga no século XVII, o barroco valorizava o excesso e pautava-se nas contradições e dualidades da alma humana.
Luís de Gôngora y Argote, o poeta responsável por criar o gongorismo na poesia barroca.

O barroco, também chamado seiscentismo, foi uma tendência artística que reagiu ao otimismo antropocentrista do Renascimento, tendo dominado a literatura, a arquitetura e as artes plásticas no século XVII. Ao contrário do sonho humanista, que lançou os europeus às Grandes Navegações e ao ideal de proporção e equilíbrio nas artes, a escola barroca foi tomada por um pessimismo rancoroso e desconfiado, de fundo religioso, que valorizava o exagero e a expressão metafórica.

Há um tom lamurioso no barroco, um lamento pela mudança perpétua das coisas, bem como uma cautela com a efusão renascentista, que colocava o homem no centro do universo e propunha um novo paradigma para a época.

Resumo sobre Barroco

  • Tendência estética predominante nas artes do final do século XVI até meados do século XVIII;

  • Floresceu em oposição ao otimismo renascentista;

  • Sua temática gira em torno das dualidades humanas: fé e razão, espírito e corpo, teocentrismo e antropocentrismo;

  • Remete à efemeridade humana perante a eternidade celestial;

  • Tem linguagem trabalhada, plena de metáforas, antíteses, paralelismos, valorizando as figuras de linguagem e o rebuscamento das formas;

  • Possui duas vertentes: o cultismo, de composições imagéticas e metafóricas, ligado ao aspecto sensorial, e o conceptismo, cujos poemas versam sobre conceitos e preferem estruturas argumentativas;

  • Os grandes nomes do barroco português são: Padre Antônio Vieira, na prosa, e Francisco Rodrigues Lobo, na poesia;

  • No Brasil, destacam-se as obras de Gregório de Matos e Botelho de Oliveira.

Contexto histórico do Barroco

Interior da igreja de São Luís da França, em Roma. Um grande exemplo da arquitetura barroca. [1]

A expressão barroca relaciona-se, principalmente, com o período da Reforma e Contrarreforma. Em 1517, Martinho Lutero, insatisfeito com os poderes da Igreja na Europa, elaborou suas 95 teses, questionando os dogmas do catolicismo e fundamentando uma nova forma de cristianismo, embasada na fé e no conhecimento dos textos bíblicos, refutando, entre outros pontos, o sumo poder do papa e desprezando a representação das imagens de figuras religiosas. Esse contexto desembocou no surgimento do protestantismo, também conhecido como movimento da Reforma Protestante ou Luterana.

A Igreja Católica, por sua vez, iniciou um movimento de Contrarreforma, em que estabelecia mudanças internas de pouca expressão estrutural. Preocupados com a disseminação da fé católica, criaram medidas de expansão de sua doutrina, como a Companhia de Jesus, responsável pela catequização de europeus, asiáticos e povos ameríndios, e medidas de perseguição, como o Tribunal do Santo Ofício, que propôs a Inquisição como forma de punição àqueles que se desviassem do catolicismo.

Em uma Europa tomada pelos ideais humanistas do Renascimento, que revolucionaram a perspectiva de como os seres humanos viam a si mesmos e ao planeta Terra, o barroco surgiu como uma postura cautelosa: pretendia lembrar a efemeridade da vida e a existência suprema do eterno, fazendo uso de contrastes e paradoxos, além de ter a expressão católica da representação imagética de santos, valendo-se da opulência e do exagero para enfatizar a grandeza da Igreja.

Leia também: Classicismo, expressão artística dos ideais renascentistas

Características do barroco

  • Abundância de contrastes, paradoxos e antíteses, representando o dualismo do teocentrismo x antropocentrismo, fé x razão;

  • Uso constante de metáforas e metonímias;

  • Gosto pelo exagero e pela opulência, fazendo uso de hipérboles e de rebuscamento da linguagem;

  • Riqueza de detalhes, sobretudo nas obras arquitetônicas;

  • Dramatismo: esculturas e pinturas com a intenção de despertar as emoções em quem as vê;

  • Conteúdo frequentemente pessimista, em oposição ao sonho de grandeza renascentista, relembrando a instabilidade das coisas – retrato do sofrimento e presença da culpa ante o pecado;

  • Feísmo: gosto pelo grotesco e pela exibição da miséria humana;

  • Conflito entre o eu lírico e o mundo à sua volta, muitas vezes levando ao isolamento.

A pintura de Caravaggio, Inspiração de São Mateus, de 1602, apresenta características barrocas marcantes, como presença de luz e sombra, detalhamento. [2]

Vejamos na prática a presença dessas características em dois exemplos de poemas no estilo barroco:

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.
 

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?

Se é tão formosa a Luz, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?
 

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se a tristeza.
 

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância.

(Gregório de Matos)

Nota-se que o poeta trabalha com o jogo dos opostos, contrastando dia e noite, luz e sombra, alegria e tristeza, em constante dualidade de termos. O pessimismo está presente quando os versos ressaltam a efemeridade das coisas: o dia é claro, a luz é formosa, mas tudo dura pouco – não há constância nas eternas contradições e contrastes da vida humana.

À fragilidade da vida

Esse baixel nas praias derrotado

Foi nas ondas Narciso presumido;

Esse farol nos céus escurecido

Foi do monte libré, gala do prado.
 

Esse nácar em cinzas desatado

Foi vistoso pavão de Abril florido;

Esse Estio em Vesúvios encendido

Foi Zéfiro suave, em doce agrado.
 

Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera

Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel

Sentem nos auges de um alento vago,
 

Olha, cego mortal, e considera

Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,

Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

(Francisco de Vasconcelos)

Nesse soneto também se percebem a fugacidade e efemeridade da vida como temática, principalmente no último terceto, em que o poeta pede a consideração ao mortal para com a finitude de si mesmo e dos elementos da vida como um todo. Estão presentes os jogos de palavras: o uso de paralelismo (“Esse baixel”/ “Esse nácar”), de metáforas (“vistoso pavão”, “Vesúvios encendido”, “Zéfiro suave”) e de oposições para representar a dualidade da vida e da morte (“nau”/“estrago”; “Sol”/“eclipse”; “rosa”/“cinza”; “Primavera”/“ardor cruel”).

Leia também: Figuras de linguagem: conheça metáfora, metonímia, antítese etc.

Vertentes do barroco

O estilo barroco possui duas vertentes diferentes: o cultismo e o conceptismo.

  • Cultismo

O cultismo, também chamado gongorismo, caracteriza-se pela tendência ornamental, rebuscamento das formas e uso frequente de metáforas e de vocabulário erudito, bem como pela preferência à inversão sintática e à descrição imagética que direcione sensorialmente o leitor, além da presença do tema amoroso e sensual, em que a amada rivaliza com as belezas da natureza, sendo ainda mais bela. Chamou-se cultismo pela obstinação com a linguagem culta – e gongorismo em alusão ao poeta espanhol Luis de Gôngora, cujas composições nesse formato fizeram escola.

  • Conceptismo

O conceptismo, por sua vez, tem um aspecto mais persuasivo, preferindo temas conceituais. Suas composições versam sobre conceitos, silogismos, definições e ideias, tencionam uma argumentação. Ao contrário da busca imagética e sensorial dos cultistas, os conceptistas buscavam apreender os temas por meio da investigação profunda, do intelecto, da dialética. Assim se categorizam os poemas que versam sobre o pecado e a natureza da alma humana. Chamou-se conceptismo, pois predominam o trabalho com o conceito, muito mais do que com a imagem, a metáfora ou a evocação sensorial.

Barroco da Europa

O estilo barroco teve maior expressão e duração nos países da Europa neolatina, principalmente Espanha e Portugal, que se viam já em certa postura defensiva ante os avanços da Reforma Luterana, que se estendia pelos países germânicos, e ante os ideais racionalistas, que se espalhavam pela Inglaterra, França e Holanda.

O principal nome do barroco espanhol foi Luís de Gôngora y Argote (1561-1627), que consolidou um estilo composicional próprio, chamado cultismo, ou gongorismo, reproduzido por muitos seguidores.

Luís de Gôngora y Argote, o poeta responsável por criar o gongorismo na poesia barroca.

Em Portugal, data-se o início do barroco a partir de 1580, data da morte de Camões. A tendência foi predominante nas artes por quase dois séculos, até 1756, quando começou a se manifestar uma nova escola, o arcadismo. Entre os autores barrocos portugueses, destacam-se:

  • Padre Antônio Vieira (1608-1697), conhecido por seus Sermões, obra em 15 volumes;

  • a freira Mariana Alcoforado (1640-1723), autora das Cartas portuguesas (publicadas em francês);

  • D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666), autor da Carta de guia de casados, entre outros títulos do que se chamou “prosa doutrinária” e de poemas reunidos em Obras métricas;

  • Padre Manuel Bernardes (1644-1710), cuja obra mais relevante é Nova Floresta, também exemplo de prosa doutrinária;

  • Matias Aires (1705-1763), que, embora tenha nascido em São Paulo, produziu toda a sua obra em terra portuguesa, com especial destaque para Reflexões sobre a vaidade dos homens;

  • o poeta Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622), autor de Romanceiro, além de poemas épicos, novelas pastoris e prosa doutrinária;

  • os poetas Jerônimo Baía (1620/1630-1688) e Antônio Barbosa Bacelar (1610-1663), cujas obras encontram-se no cancioneiro Fênix Renascida;

  • Antônio José da Silva (1705-1739), brasileiro de nascimento e judeu de ascendência, mudou-se para Portugal aos oito anos e lá produziu sua obra dramatúrgica, composta de comédias que não agradaram à Inquisição, sendo condenado à morte. Sua principal produção é Guerras do alecrim e da manjerona.

Importante também é o texto A arte de furtar, de autoria anônima, que traz uma grande sátira a todos os escalões da sociedade portuguesa no reinado de D. João IV.

Leia também: Quinhentismo – período literário anterior ao barroco no Brasil

Barroco do Brasil

O estilo teve início no Brasil em 1601, com a publicação de Prosopopeia, de autoria de Bento Teixeira. Trata-se de uma obra em decassílabos heroicos, imitação de Os Lusíadas, em que o poeta faz um longo elogio a Jorge Albuquerque Coelho, então capitão donatário de Pernambuco.

Um dos mais conhecidos nomes do barroco brasileiro é Antônio Francisco Lisboa (1730-1814), conhecido pela alcunha de Aleijadinho. Mestre escultor, seu trabalho com as curvas, os elementos contorcidos e a sugestão de movimento das imagens tornou-o um dos mais célebres artistas plásticos nacionais.

Escultura de Aleijadinho representando o profeta Habacuc.

O principal nome da literatura do período foi o baiano Gregório de Matos Guerra (1636-1696), cuja obra ramifica-se em poemas satíricos, líricos e religiosos. Encarnação dos contrastes barrocos, suas composições são das mais ácidas – que lhe renderam o apelido de Boca do Inferno, atacando diretamente os mais diversos setores da sociedade baiana da época – e também das mais devotas, nas quais glorifica Jesus Cristo e cai em profunda reflexão acerca da efemeridade da vida e da contrição dos pecados.

Destaca-se o também baiano Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), principal expoente do cultismo brasileiro. Sua obra foi reunida no título Música do Parnaso, publicado em 1705, conjunto de poemas em português, espanhol, italiano e latim, que se sobressaem pelo trabalho impecável com a linguagem. Para saber mais detalhes e informações sobre essa escola em nosso país, leia: Barroco no Brasil.

Exercícios resolvidos sobre Barroco

1) (Fatec)

"Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Lua se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.
 

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?

Se é tão formosa a Luz, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?
 

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se tristeza.
 

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância."

(Gregório de Matos)

I.  Há  nele  um  jogo  simétrico  de  contrastes,  expresso por pares  antagônicos,  como  Sol/Lua,  dia/noite,  luz/sombra, tristeza/alegria, etc., que compõe a figura da antítese.

II.  Esse  é  um  soneto  oitocentista,  que  cumpre  os  padrões da  forma  fixa,  quais  sejam,  rimas  ricas,  interpoladas  nas quadras ("A-B-A-B") e alternadas nos tercetos ("A-B-B-A").

III. O tema do eterno combate entre elementos mundanos e  forças  sagradas   é   indicado   ali   por   "ignorância   do mundo"   e   "qualquer   dos   bens",   por   um   lado,   e   por "constância", "alegria" e "firmeza", de outro.

A respeito de tais afirmações, deve-se dizer que:

a) somente I está correta.

b) somente II está correta.

c) somente III está correta.

d) somente I e III estão corretas.

e) todas estão corretas.

Resolução

1) Alternativa d. Estão presentes o jogo de contrastes e a figura da antítese, bem como o combate entre elementos mundanos e sagrados. O poema, no entanto, não é oitocentista, e sim seiscentista, e o esquema de rimas nos quartetos é A-B-B-A e, nos tercetos, C-D-C e D-C-D.

2) (UFRS) Com relação ao barroco brasileiro, assinale a alternativa incorreta.

a) Os Sermões, de Padre Antônio Vieira, elaborados em uma linguagem conceptista, refletiram as preocupações do autor com problemas brasileiros da época, por exemplo, a escravidão.

b) Os conflitos éticos vividos pelo homem do barroco corresponderam, na forma literária, ao uso exagerado de paradoxos e inversões sintáticas.

c) A poesia barroca foi a confirmação, no plano estético, dos preceitos renascentistas de harmonia e equilíbrio, vigentes na Europa no século XVI, que chegaram ao Brasil no século XVII, adaptados, então, à realidade nacional.

d) Um dos temas principais do barroco é a efemeridade da vida, questão que foi tratada no dilema de viver o momento presente e, ao mesmo tempo, preocupar-se com a vida eterna.

e) A escultura barroca teve no Brasil o nome de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que, no século XVII, elaborou uma arte de tema religioso com traços nacionais e populares, em uma mescla representativa do Barroco.

Resolução

2) Alternativa c. O barroco opôs-se francamente aos ideais de equilíbrio e proporção da escola classicista, valorizando, na verdade, os excessos, as metáforas e as contradições em suas obras.

Créditos das imagens

[1] Alexandros Michailidis / Shutterstock

[2] PhotoFires / Shutterstock

Publicado por Luiza Brandino
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