Vinicius de Moraes

Célebre poeta, compositor, dramaturgo, cronista e diplomata, Vinicius de Moraes tem uma obra extensa, cujo eixo temático é principalmente o lírico-amoroso, em que as relações afetivas são protagonistas, o que lhe rendeu o epíteto de “poetinha” – longe de diminuir sua obra, o apelido faz referência ao seu estilo boêmio e apaixonado, de quem arranja as palavras com precisão e simplicidade.

Herdeiro direto do projeto modernista, o autor misturou a forma clássica do soneto às notas do samba, adaptou personagens do teatro grego à realidade brasileira do século XX e participou diretamente do movimento da bossa nova, sempre preocupado com a consolidação de uma arte e de uma tradição artística brasileiras.

Selo comemorativo em homenagem aos cem anos de nascimento de Vinicius de Moraes.

Biografia

Marcus Vinicius de Melo Moraes nasceu no bairro da Gávea, na cidade do Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1913. Filho de um funcionário público e de uma pianista, Vinicius começou a compor suas próprias canções aos 15 anos, ofício que nunca abandonou.

Formou-se em Direito em 1933, ano do lançamento de seu primeiro livro de poemas, O Caminho para a Distância. Entre os anos de 1932 e 1933, foi também letrista de dez canções, em parceria com Haroldo Tapajós, Paulo Tapajós e com o violonista J. Medina.

Embora bacharel, Vinicius nunca exerceu a advocacia – trabalhou primeiramente como representante do Ministério da Educação junto aos órgãos de censura cinematográfica, até receber, em 1938, uma bolsa para estudar língua e literatura inglesa na Universidade de Oxford, em Londres. Durante sua estadia na capital inglesa, o poeta trabalhou como jornalista na BBC.

Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, Vinicius retornou ao Brasil, colaborando como crítico cinematográfico no jornal A Manhã e redigindo artigos e suplementos literários para a revista Clima, à época dirigida pelo crítico literário Antonio Candido. Em 1943, foi aprovado no exame do Itamaraty e assumiu seu primeiro posto diplomático em 1946, embarcando para Los Angeles como vice-cônsul.

Sempre indo e voltando de diversos países, o autor publicou diversas obras enquanto exercia as funções diplomáticas. Foi a partir da estreia de sua peça Orfeu da Conceição, premiada em 1954, em São Paulo, que conheceu Tom Jobim, pianista até então pouco conhecido, encarregado das composições musicais da montagem, que também virou filme. Vinicius elaborou as letras das canções Lamento do morro, Se todos fossem iguais a você, Um nome de mulher, entre outras, todas de autoria de Jobim. Foi o início de uma grande parceria musical e intelectual e de uma duradoura amizade.

Durante as décadas de 1950 e 1960, Vinicius compôs inúmeras letras e apresentou-se ao lado de diversos músicos renomados, como Baden Powell, Carlos Lyra, João Gilberto, Dorival Caymmi, Francis Hime e dos então estreantes Maria Bethânia e Gilberto Gil. Suas letras fizeram grande sucesso e fazem parte de eternizadas canções da bossa nova, como Garota de Ipanema, em parceria com Jobim, por exemplo.

Com as repressões da Ditadura Militar e o AI-5, em 1968, foi aposentado compulsoriamente das atividades no Itamaraty. Um ano depois conheceu o violonista Toquinho, com quem firmou duradoura parceria musical.

Sambista, boêmio e poeta de vastas composições amorosas, Vinicius viveu, realmente, o amor que tanto descrevia em seus versos: foi casado nove vezes e teve cinco filhos. Faleceu no Rio de Janeiro, em 9 de julho de 1980, vítima de um edema pulmonar, depois de passar a madrugada compondo músicas infantis com Toquinho.

Biografia do poeta por ele mesmo:

Autorretrato

Nome: Vinicius. Por quê?
O Quo Vadis, saído em 13
Ano em que também nasci.
Sobrenome: de Moraes
De Pernambuco, Alagoas
E Bahia (que guardo em mim).
Sou carioca da Gávea
Bairro amado, de onde nunca
Deveria ter saído.
Fui, sou e serei casado
E apesar do que se diz
Não me acho tão mau marido.
Filhos: três e um a caminho
Altura: um metro e setenta
Meão, pois. O colarinho
Trinta e nove e o pé quarenta
Peso: uns bons setenta e três
(precisam ser reduzidos...)
Dizem-me poeta; diplomata
Eu o sou, e por concurso
Jornalista por prazer
Nisso tenho um grande orgulho
Breve serei cineasta
(Ativo). Sou materialista.
Deito mais tarde do que devo
E acordo antes do que gosto.
Fui auxiliar de cartório
Censor cinematográfico
Funcionário (incompetente)
Do Instituto dos Balcários.
Atualmente sou segundo
Secretário de Embaixada.
Formei-me em Direito, mas
Sem nunca ter feito prática.
Infância: pobre mas linda
Tão linda que mesmo longe
Continua em mim ainda.
Prefiro vitrola a rádio
Automóvel a trem, trem
A navio, navio a avião
(De que já tive um desastre).
Se voltasse a vida atrás
Gostaria de ser médico
Pois sou médico nato.
Minhas frutas prediletas
Por ordem de preferência:
Caju, manga e abacaxi.
Foi com meu pai, Clodoaldo
De Moraes, poeta inédito
Que aprendi a fazer versos
(Um dia furtei-lhe um
Para dar à namorada).
Tinha dezenove anos
Quando estreei com meu livro
“O Caminho para a Distância”
Meu preferido é o último:
“Poema, Sonetos e Baladas”.
Toco violão, de ouvido
E faço sambas de bossa
Garoto, lutei “jiu-jitsu”
Razoavelmente. No tiro
Sobretudo em carabina
Sou quase perfeito. As coisas
Que mais detesto: viagens
Gente fiteira, fascistas,
Racistas, homem avarento
Ou grosseiro com a mulher.
As coisas que mais gosto:
Mulher, mulher e mulher
(Com prioridade a minha)
Meus filhos e meus amigos.
Ajudo bastante em casa
Pois sou bom cozinheiro
Moro em Paris, mas não há nada
Como o Rio de Janeiro
Para me fazer feliz
(E infeliz). Desde os sete anos
Venho fazendo versinhos
Gosto muito de beber
E bebo bem (hoje menos
Do que há dez anos atrás).
Minha bebida é o uísque
Com pouca água e muito gelo.
Gosto também de dançar
E creio ser esta coisa
A que chamam de boêmio.
Em Oxford, na Inglaterra
Estudei Literatura
Inglês, o que foi
Para mim fundamental.
Gostaria de morrer
De repente, não mais que
De repente, e se possível
De morte bem natural.
E depois disso, ao amigo
João Conde nada mais digo.

(Vinicius de Moraes, 1956)

Obras

Teatro

  • Orfeu da Conceição (1956)
  • As Feras (1961)
  • Cordélia e o peregrino (c. 1940 – publicada em 1965)
  • Procura-se uma rosa (1961)

Cinema

  • Orfeu Negro (1959) (dir. Marcel Camus; baseado na peça Orfeu da Conceição) [Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Palma de Ouro em Cannes]
  • Pluft, o fantasminha (1965) (dir. Romain Lassage; participação especial como ator)
  • Arrastão (1966) (dir. Antoine d’Omersson; argumentação Vinicius de Moraes)
  • Garota de Ipanema (1967) (dir. Leon Hirszman; produção Vinicius de Moraes)

Crônicas

  • Para viver um grande amor (1962)
  • Para uma menina com uma flor (1966)

Poesia

  • O caminho para a distância (1933)
  • Forma e exegese (1935)
  • Ariana, a mulher (1936)
  • Novos poemas (1938)
  • Cinco elegias (1943)
  • Poemas, sonetos e baladas (1946)
  • Pátria minha (1949)
  • Antologia poética (1954)
  • Livro de sonetos (1957)
  • Novos poemas II (1959)
  • O mergulhador (1968)
  • A arca de Noé (1970) [infantil]
  • Poemas esparsos (2008)

Álbuns de música

  • Vinicius de Moraes – Poesias (1959)
  • Brasília, Sinfonia da Alvorada (1961) [com Tom Jobim]
  • Vinicius e Odette Lara (1963)
  • Vinicius e Caymmi no Zum Zum – com Quarteto em Cy e o conjunto Oscar Castro Neves (1965)
  • Vinicius: Poesia e Canção (ao vivo) vol. 1 (1966)
  • Vinicius: Poesia e Canção (ao vivo) vol. 2 (1966)
  • Os Afrosambas (1966) [com Baden Powell]
  • Vinicius (1967)
  • Garota de Ipanema (1967) [trilha sonora do filme]
  • Vinicius em Portugal (1969)
  • Toquinho e Vinicius (1971)
  • Como dizia o poeta (1971) [com Maria Medalha e Toquinho]
  • Vinicius canta “Nossa filha Gabriela” (1972) [com Toquinho]
  • O Bem Amado (1973) [trilha sonora da novela]
  • Vinicius e Toquinho (1974)
  • Vinicius/Toquinho (1975)
  • Toquinho e Vinicius – o poeta e o violão (1975)
  • Deus lhe pague (1976) [com Edu Lobo]
  • Tom-Vinicius-Toquinho-Miúcha (1977)
  • 10 anos de Toquinho e Vinicius (1979)
  • A Arca de Noé (1980)
  • Um pouco de ilusão (1980)

Leia também: Cecília Meireles e a musicalidade de seus versos

Análise literária

Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.

[...]

(Poética II)

Categorizados entre as produções da segunda geração do modernismo brasileiro, os poemas de Vinicius de Moraes misturam lirismo e simplicidade, formas clássicas, como o soneto, e motivos populares, que levaram à musicalização de vários de seus versos, dada a também carreira musical do autor.

Caricatura de Vinicius de Moraes.

Entende-se a poesia de Vinicius em dois períodos: o sublime, em que o autor recorre ao misticismo cristão, à espiritualidade, ao transcendental e aos embates dicotômicos entre o amor carnal e o amor espiritual, fase de suas primeiras publicações; e o cotidiano, que teve início a partir do livro Novos poemas (1933), em que o poeta redireciona sua poesia para a sensualidade – do metafísico para o físico, do espiritual para o carnal e o erótico, para a materialidade que inspirou também poemas gestados pela indignação social, pela comoção perante os horrores da guerra e das mazelas humanas. Trata-se de um amadurecimento literário: é essa fase cotidiana que o consolida como um dos mais populares poetas brasileiros.

Veja também: Augusto Frederico Schmidt, a poesia religiosa do segundo modernismo

De acordo com o também poeta (e crítico literário) Ivan Junqueira, “Vinicius de Moraes será sempre, e acima de tudo, o poeta do amor e da morte”. É o mergulho órfico e autêntico na experiência amorosa, que ora toma a forma da paixão erótica, ora do desalento nostálgico, que compõe a matéria-prima de sua poética. A isso adiciona-se um domínio técnico da língua aliado a uma liberdade de criação capazes de uma ponderação harmônica potente. É o caso do “Soneto de Fidelidade”, um dos mais famosos da literatura nacional:

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Estoril, outubro de 1939

Também muito conhecido é o “Soneto de Separação”, exemplo da faceta mais melancólica e triste da lírica de Vinicius, reflexo dos sofrimentos decorrentes da entrega sentimental:

Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938.

Outro tema recorrente nos versos de Vinicius é a mulher, símbolo e encarnação das virtudes e vicissitudes da paixão. Não se trata da mulher ideal, inatingível, mas da mulher de carne e osso, concretização dos desejos do poeta:

Poema dos Olhos da Amada

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Rio de Janeiro, 1959

Vinicius escreveu também poemas socialmente engajados, espelho de sua sensibilidade em face de um mundo injusto e caduco, dos quais se destacam  “O Operário em Construção”, “Balada dos mortos dos campos de concentração” e “A rosa de Hiroxima”:

A Rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Rio de Janeiro, 1954

Veja também: Carlos Drummond de Andrade, a voz engajada do Segundo Modernismo

Canções

Escultura homenageando Vinicius de Moraes em Salvador, na praia de Itapuã, que homenageou em uma de suas canções.

Depois da década de 1950, a produção editorial de Vinicius de Moraes tornou-se mais esparsa: nesse período, o autor passou a dedicar mais de seu tempo e de seu trabalho literário em composições de canções, cuja popularidade atravessou seu próprio tempo. A parceria com inúmeros músicos de grande peso resultou em sambas até hoje celebrados e muito conhecidos. Refrões como “Tristeza não tem fim / Felicidade, sim”, “É bom passar uma tarde em Itapoã”, “Se todos fossem iguais a você / Que maravilha viver”, “Eu sei que vou te amar / Por toda a minha vida, eu vou te amar”, “Chega de saudade”, entre outros diversos exemplos, foram gravados e regravados por diversos artistas, serviram de trilha sonora a produções diversas e tornaram-se ícones da cultura musical brasileira. Veja, a seguir, algumas de suas canções mais conhecidas:

Chega de Saudade (música: Antonio Carlos Jobim)

Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Por que eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela não há paz
Não há beleza é só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços os abraços
Hão de ser milhões de abraços apertado assim
Colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos
E carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim

Não quero mais esse negócio
De você longe de mim

Não quero mais esse negócio
De você viver sem mim

Pela luz dos olhos teus (música: Antonio Carlos Jobim)

Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar,
Ai que bom que isso é meu Deus,
Que frio que me dá o encontro desse olhar.
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só pra me provocar,
Meu amor, juro por Deus me sinto incend ar.
Meu amor, juro por Deus,
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar,
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará.
Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor, que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.

Publicado por Luiza Brandino
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