Julio Cortázar
Julio Cortázar foi um escritor argentino, considerado um dos mais importantes autores latino-americanos, e é um dos principais representantes do chamado realismo mágico, trazendo características inverossímeis a narrativas aparentemente realistas.
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Biografia de Julio Cortázar
Julio Florencio Cortázar nasceu em 26 de agosto de 1914, na embaixada da Argentina em Ixelles, distrito de Bruxelas, na Bélgica. Voltou para a Argentina, terra natal de seus pais, quando tinha quatro anos de idade.
Pouco tempo depois de sua chegada a esse país, seus pais separaram-se. Passou a maior parte de sua infância em Banfield, na Argentina, ao lado da mãe, de uma tia e de uma avó. Muito doente na infância, Julio ficava muito tempo na cama, o que lhe propiciou a leitura de muitos livros literários.
Em 1935, formou-se em Letras. Nessa época, começou a interessar-se por lutas de boxe. Em 1938, editou sua primeira obra, Presencia, livro de poemas, sob o pseudônimo Julio Denis. Lecionou em algumas cidades do interior do país e foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Nacional Cuyo, porém renunciou a esse cargo quando Juan Domingo Perón, em 1946, assumiu a presidência da Argentina. Após deixar o Ensino Superior, empregou-se na Câmara do Livro em Buenos Aires e realizou trabalhos de tradução.
Por não concordar com a ditadura imposta por Perón em seu país, Cortázar partiu para Paris, a fim de lá estudar custeado por uma bolsa do governo francês. Após o término da bolsa, decidiu instalar-se definitivamente na França. Atuou, nesse país, como tradutor da Unesco.
Casou-se, em 1953, com a tradutora Aurora Bernárdez. Nesse contexto, surgiu a oportunidade de traduzir, para a Universidade de Porto Rico, a obra completa do escritor norte-americano Edgar Allan Poe, trabalho considerado pela crítica como o melhor de tradução feito por Cortázar.
Em 1963, a convite da Casa das Américas, foi enviado a Cuba para ser jurado em um concurso. Foi nessa época que começou a envolver-se mais com política. Esse interesse gerou algumas controvérsias, já que Cortázar, para a CIA, era tratado como um perigoso comunista da KGB, ao passo que, para essa instituição soviética, era considerado um agente do imperialismo norte-americano, uma vez que denunciava as prisões em Moscou dos dissidentes políticos do regime.
Polêmicas à parte, o fato é que Cortázar comprometeu-se intensamente com a política e a luta pela libertação da América Latina, que, na década de 1960, encontrava-se sob regimes ditatoriais.
Em 1970, por exemplo, viajou ao Chile, onde se solidarizou com o governo de Salvador Allende. Em 1971, foi “excomungado” por Fidel Castro, assim como outros escritores, por pedir informações sobre o desparecimento do poeta Heberto Padilla.
Recebeu, em 1973, o Prêmio Médicis por seu Livro de Manuel, o qual destinou à ajuda para os presos políticos na Argentina. Em 1974, foi membro do Tribunal Bertrand Russell II, reunido em Roma para examinar a situação política na América Latina.
Com a volta da democracia na Argentina, em 1983, Cortázar volta à sua pátria como visitante, onde foi recebido calorosamente por seus fãs e admiradores. Quando regressou a Paris, obteve a nacionalidade francesa. Julio Cortázar morreu de leucemia, em 12 de fevereiro de 1984, em Paris.
Características literárias de Julio Cortázar
Julio Cortázar é considerado um dos autores mais criativos de seu tempo. Seus contos curtos, em que os elementos narrativos são cirurgicamente bem conectados, lembram a estética de Edgar Allan Poe, escritor de quem ele era leitor e admirador. Também cultivou a prosa poética, estilo comparável ao de Jorge Luis Borges.
Sua prosa inaugurou uma nova forma de fazer literatura na América Latina, já que nela a linearidade temporal é constantemente rompida, o que dá fluidez à configuração subjetiva dos personagens, os quais são caracterizados com extrema profundidade psicológica, propiciando o desenvolvimento de fluxos de consciência que vão do presente ao passado e vice e versa.
Outra importante característica de suas obras é a presença de características do realismo mágico, ou seja, elementos da realidade aparecem em convívio com elementos mágicos, sobrenaturais.
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Obras de Julio Cortázar
- Presença (1938)
- A outra margem (1945)
- Bestiário (1951)
- Final do jogo (1956)
- As armas secretas (1959)
- Os prêmios (1960)
- Histórias de cronópios e de famas (1962)
- O jogo da amarelinha (1963)
- Todos os fogos o fogo (1966)
- A volta ao dia em oitenta mundos (1967)
- 62: modelo para armar (1968)
- Último round (1968)
- Prosa do observatório (1972)
- Livro de Manuel (1973)
- Octaedro (1974)
- Silvalândia (1975)
- Alguém que anda por aí (1977)
- Um tal Lucas (1979)
- Queremos tanto a Glenda (1980)
- Desoras (1982)
- Os autonautas da cosmopista (1983)
- Salvo o crepúsculo (1984)
- Papéis inesperados (póstumo) (2009)
O jogo da amarelinha
Publicado em 1963, esse romance, que no original intitula-se Rayuela, é considerado pela crítica literária o mais significativo de Julio Cortázar, isso porque nele o autor transgrediu a ordem convencional com que as narrativas costumam ser configuradas. Além disso, a linguagem, com fortes traços poéticos, torna a leitura de O jogo da amarelinha uma viagem por um estilo literário moderno e inovador.
O enredo, dividido em três partes, gira em torno do casal Horácio e Maga, que se reúne, na primeira parte da obra, com frequência com seus amigos em encontros boêmios na França. Na segunda parte, Horácio, de volta à Argentina, reencontra um amigo, Traveler, e passa a conviver com ele e a esposa, Talita. A terceira parte é constituída por capítulos que podem ser lidos fora da linearidade narrativa que constituíam a primeira e a segunda partes.
Esse modo em que o romance é estruturado possibilita ao leitor um papel ativo, já que ele pode iniciar e prosseguir a leitura por partes diferentes, sem seguir uma linha cronológica, o que faz com que a obra adquira uma multiplicidade de perspectivas. Leia o trecho inicial, que faz parte da primeira parte de O jogo da amarelinha:
“Não estávamos apaixonados, fazíamos amor com um virtuosismo desligado e crítico, mas sempre caíamos, depois, em terríveis silêncios. A espuma dos corpos de cerveja ia ficando como estopa, amornando e contraindo-se, enquanto nos olhávamos e sentíamos que chegara o momento. A Maga acabava por se levantar e dava voltas inúteis pelo quarto. Mais de uma vez, eu a vi admirar seu corpo no espelho, segurar os seios com as mãos, como nas estatuetas sírias, e passar os olhos pela sua pele numa lenta carícia. Nunca consegui resistir ao desejo de pedir que se aproximasse, sentindo-a curvar-se pouco a pouco sobre mim, desdobrar-se outra vez, depois de ter estado por um momento tão só e tão apaixonada diante da eternidade do seu corpo.”
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Frases de Julio Cortázar
- “A memória é um espelho que mente de forma escandalosa.”
- “Eu quero escrever o romance do nada. Eu quero mostrar a mais secreta das suspeitas humanas: a de sua própria inutilidade.”
- “Escrever é uma luta contínua com a palavra, um combate que tem algo de aliança secreta.”
- “Recordarei sempre nitidamente porque foi simples e sem circunstâncias inúteis.”
- “Ser valente é muito mais fácil do que ser homem.”
- “O pior é que, justamente nesse momento, quando quase ninguém ainda aprendeu a levar a pedra até o céu, a infância acaba de repente.”
- “O desejo a cada tantas horas, nunca demasiadamente diferente, e de cada vez, outra coisa: armadilha do tempo para criar as ilusões.”
- “Andávamos sem nos procurar, mas sabendo sempre que andávamos para nos encontrar.”