Friedrich Nietzsche

Friedrich Nietzsche é um dos principais filósofos da contemporaneidade. Sua vasta obra inaugurou temas na filosofia que colocam em questão assuntos tidos como “intocáveis”.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche.

Friedrich Nietzsche foi um filólogo (estudioso de línguas clássicas, como o latim e o grego antigo), poeta e filósofo alemão contemporâneo, autor de uma vasta e polêmica obra. Seus livros deixaram os primeiros indícios do surgimento da filosofia contemporânea. Nietzsche dedicou-se a estudar a moral judaico-cristã e operou uma espécie de comparação das sociedades antes e depois do cristianismo, tendo classificado este como o fator central do enfraquecimento do ser humano na era moderna. Nietzsche pode ser considerado um autor cuja vida e biografia influenciaram a produção e recepção de sua obra.

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Biografia

Em 15 de outubro de 1844, nasceu Friedrich Wilhelm Nietzsche no vilarejo de Röcken, na então Prússia (hoje Alemanha). Filho de pastor luterano, seu pai morreu cinco anos após o seu nascimento, deixando a mãe viúva com três filhos para criar. Vai para Naumburg com a sua família por questões financeiras, onde passa toda a sua infância. A sua formação teve como base uma educação rígida e os princípios luteranos. Por motivos financeiros, em sua adolescência, porém, o filósofo começa a traçar os primeiros questionamentos acerca da religião.

Quando criança, Nietzsche mostrava-se diferente dos seus colegas, apresentando um rigor com os estudos e um comportamento de severo autocontrole. Ainda na infância, o filósofo começou a sofrer sérios problemas de saúde jamais diagnosticados com precisão e que o acompanhariam por toda a sua vida. Problemas de visão que o levaram à cegueira quase total no fim de sua vida e dores de cabeça muito fortes acompanharam-no durante muito tempo e debilitaram muito a sua saúde.

Aos 14 anos de idade e por seu desempenho notável, Nietzsche ganhou uma bolsa de estudos na Escola de Pforta, tradicional colégio alemão. Nessa instituição Nietzsche aprendeu latim e grego. Por meio de seus estudos, também começou a questionar os ensinamentos cristãos.

Ao terminar os estudos básicos, o filósofo começou os estudos em teologia na Universidade de Bonn, por influência de sua mãe. Logo ele muda de curso, contrariando-a, transferindo-se para os estudos de filologia e voltando-se para o idioma grego. Em Bonn conhece o professor Friedrich Wilhelm Ritschl, que o estimulou ao estudo das tragédias gregas e apresentou-o à filosofia do alemão niilista e pessimista Arthur Schopenhauer.

Nietzsche aos 18 anos de idade.

Em 1867 o pensador foi convocado pelo exército alemão para servir na Guerra Franco-Prussiana, atividade que, para a sorte de Nietzsche, durou pouco, devido a um acidente. Mais tarde, já em 1870, ele cumpre o serviço como enfermeiro, o que o leva a contrair difteria. Especula-se que a difteria e o seu tratamento, feito na época com medicamentos para náusea e o ópio, teriam contribuído para uma piora no quadro de saúde geral do filósofo.

Dois anos depois, aos 24 anos de idade, Nietzsche foi nomeado professor de filologia clássica da Universidade da Basileia, na Suíça, devido à sua carreira universitária brilhante. Ele foi na época o mais jovem a conseguir esse cargo. Com base em suas pesquisas no campo filológico e com a influência das leituras do filósofo Arthur Schopenhauer e do músico alemão Richard Wagner, pessoa por quem Nietzsche mantinha uma amizade próxima e um verdadeiro sentimento de admiração, o filósofo escreve a sua primeira obra em 1871, intitulada O nascimento da tragédia.

O laço estreito com Wagner mantém-se a ponto do filósofo frequentar a casa do amigo e manter uma relação estreita com o músico e sua esposa, Cosima Wagner. Em 1876, no entanto, Nietzsche rompe a amizade por discordâncias intelectuais, políticas e musicais que vieram à tona após a organização de Wagner de um evento em celebração de sua obra, o Festival de Bayreuth.

Nietzsche achou o projeto wagneriano demasiadamente nacionalista e uma espécie de massificação cultural da música, que Nietzsche sempre considerou, até então, a expressão mais genuína da cultura alemã. Nesse período, ele também abandona a leitura de Arthur Schopenhauer por considerá-lo demasiadamente pessimista e negador da vida que, quando fortalecida, levaria o ser humano à sua plenitude, segundo Nietzsche.

Arthur Schopenhauer fez parte dos estudos de Nietzsche em sua juventude.

Entre 1872 e 1876, Nietzsche escreveu a sua série de livros chamados de Considerações intempestivas, composta por quatro volumes: “David Strauss, o confessor e o escritor”; “Sobre a utilidade e a desvantagem da história para a vida”; “Schopenhauer como educador”; “Wagner em Bayreuth”.

Nesse período também escreveu A filosofia na era trágica dos gregos (livro incompleto e publicação póstuma) e Sobre a verdade e a mentira em um sentido extramoral (publicação póstuma). Todos os sete livros escritos até 1876 compreendem a fase chamada pelos estudiosos de “juventude da obra de Nietzsche”.

Em 1878, o filósofo publicou Humano, demasiado humano, a sua primeira obra escrita em aforismos, estilo que marcou a escrita nietzschiana. Os aforismos são sentenças curtas que possuem um significado próprio em seu interior, dispensando grandes argumentações. O estilo aforismático era o que Nietzsche podia fazer devido à sua doença, pois não requeria muitas horas de grande esforço intelectual, sendo uma escrita fácil para o autor, que podia interromper a atividade a qualquer momento sem grandes prejuízos.

No ano seguinte, devido a agravos dos seus problemas de saúde, Nietzsche pediu demissão da Universidade da Basileia com aposentadoria. Foi concedida a ele uma pensão no valor de quatro mil marcos por serviços prestados à comunidade, o que não era muito, mas permitiu um estilo de vida simples e errante que o acompanhou até 1889.

Na busca por tratar seus problemas que não eram corretamente diagnosticados por médicos, Nietzsche começou a agir por conta própria, fazendo dietas rigorosas e duvidosas, e viajando como um nômade, a fim de evitar os invernos rigorosos. No inverno partia para localidades do sul da Europa, e no verão ia para o norte.

Entre os seus locais de viajante nômade, figuram os preferidos: Sils-Maria, na Suíça, durante o verão, e Turim, na Itália, durante o inverno. Ele buscava regular a sua saúde com base no clima e na alimentação, além de ter tentado a cura, ou talvez apenas o alívio de seus sintomas, com drogas, como o ópio e o haxixe, o que pode ter agravado seus problemas de saúde e o levado a um quadro mental debilitado.

Em 1881 Nietzsche publicou Aurora, e um ano depois publicou A gaia ciência, ambos escritos em aforismos. Essas obras de escrita aforismática produzidas entre 1878 e 1882 compreendem a “fase intermediária do pensamento de Nietzsche”. Nesse momento, o filósofo defronta-se com a questão do nacionalismo, posição política a que ele se colocou absolutamente contrário.

Também em 1882, conheceu o psicólogo Paul Rée, amigo que o apresentou à intelectual feminista russa Lou Andreas Salomé. Nietzsche apaixona-se por Salomé e pede-a em casamento. O pedido foi negado por três vezes, e Nietzsche sofre emocionalmente. Ainda no mesmo ano, ele corta as relações com Salomé e Rée. Além disso, o filósofo começa a redigir a obra que seria mais lida e comentada pelo seu público, o livro Assim falou Zaratustra. Em 1885, Nietzsche inicia o projeto da escrita do que ele chamou de Vontade de poder, que seria a sua obra magna.

Salomé, à esquerda, Paul Rée, ao centro, e Nietzsche, à direita.

O filósofo, em 1886, escreve e publica o seu primeiro grande estudo acerca da moralidade, o livro Além do bem e do mal. No ano seguinte, aprofundando no tema sobre a moralidade, o filósofo escreve Genealogia da moral. Ainda em 1887, ele começa a redação de O anticristo, texto publicado em 1888, mesmo ano de publicação de Crepúsculo dos ídolos e Ecce homo. Nessas últimas publicações, Nietzsche já se encontrava afetado pela doença mental, tendo surtos, fortes dores e problemas diversos.

No ano de 1889, em Turim, Nietzsche teve um ataque de nervos ao ver um cavalo ser chicoteado por seu dono, correndo para proteger o animal. Aí começaria um colapso mental que o impossibilitaria de levar a vida intelectual que tinha até a sua morte. Hoje, as especulações de biógrafos apontam que os sintomas vividos por Nietzsche eram resultado de uma sífilis não tratada, que atingiu o sistema nervoso central e pode ter sido agravada pela dieta pobre e pelo uso de haxixe e ópio. Nesse mesmo ano, o filósofo ficou completamente incapacitado para qualquer atividade, tendo vivido sob os cuidados de sua mãe e de sua irmã.

A irmã de Nietzsche, Elizabeth Föster Nietzsche, era assumidamente antissemita. Casada com um propagador dos ideais antissemitas, ela passou a tomar conta dos manuscritos e da produção intelectual de seu irmão. Elizabeth Nietzsche editou arbitrariamente os manuscritos de seu irmão, e publicou por conta própria uma versão montada por ela da obra Vontade de poder.

A obra editada pela irmã possuía caráter antissemita, algo que Nietzsche achava horrível quando ainda estava bem de saúde. Mais tarde, Elizabeth conheceu Hitler pessoalmente e passou a ele várias informações acerca da obra de seu irmão, quando este já estava morto.

Por uma interpretação marcada pelas fraudes de sua irmã, Nietzsche tornou-se uma espécie de mentor intelectual do nazismo, imagem que somente foi desconstruída quase 50 anos depois, com os estudos de Giorgio Colli e Mazinno Montinari, que resultaram na edição e publicação da obra completa do filósofo alemão.

Em 1900, após onze anos de uma vida improdutiva e quase vegetativa, Nietzsche falece aos 56 anos de idade.

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Principais ideias

A vasta produção de Nietzsche é composta de várias ideias, impossíveis de serem esgotadas em um único texto. No entanto, alguns temas centrais aparecem como norteadores para entender o seu pensamento, os quais, para facilitar a compreensão, devem ser dispostos de acordo com a cronologia da sua obra dividida pelos estudiosos em três grandes momentos: juventude, período intermediário e maturidade.

  • Obra de juventude

Amigo de Nietzsche, o músico alemão Richard Wagner teve grande importância em sua obra da primeira fase.

Nietzsche estava sob forte influência da filosofia de Schopenhauer e da música de Wagner. Devido ao seu trabalho com a filologia grega, o filósofo ficou imerso no estudo das tragédias gregas, sua elaboração e sua constituição. Aqui ele enxerga na cultura grega pré-socrática uma cultura autêntica, ainda não contaminada pela racionalização imposta por Sócrates e livre da moral judaico-cristã.

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  • Obra intermediária

Nesse período, as principais influências ao pensamento filosófico vêm da política bismarckista de unificação alemã (a Alemanha consistia em vários impérios diferentes e o estadista Otto von Bismarck foi o responsável por unificar todo o território germânico). Nietzsche era contra a formação de um Estado-nação alemão, pois, para ele, somente a cultura garantiria o desenvolvimento humano, e não a força de um Estado e da guerra. Nietzsche mostra-se nesse momento como um antinacionalista.

Conceitos como grande política e pequena política (que tratam especificamente do modo de agir politicamente de um país e de grupos políticos) aparecem. Também a sua ideia de morte de Deus (presente no aforismo 135 de A gaia ciência) vem como mote da libertação humana da cultura cristã. No âmbito epistemológico ou do conhecimento humano, Nietzsche aprofunda o conceito de perspectivismo, já iniciado na sua Segunda consideração extemporânea, como uma explicação do modo como o ser humano pode conhecer as coisas e produzir o que se diz ser a verdade.

  • Período de maturidade

Iniciado com a escrita de Assim falou Zaratustra, esse período tem como centralidade as investigações acerca da moral. Crítico ferrenho da moral judaico-cristã e do enfraquecimento provocado por essa, ele aposta que houve um período em que o ser humano era mais forte (antes do cristianismo) por viver sob o império da moral proposta pelos senhores nobres (não tomando nobreza como casta, mas como uma nobreza de espírito daqueles que são mais fortes).

O além-do-homem (melhor tradução para o termo alemão Übermensch, que alguns tradutores traduziram como super-homem) seria um conceito que fala sobre um ser humano capaz de libertar-se das amarras morais da sociedade e viver por si mesmo. O cristianismo apareceu como uma rebelião escrava da moral (uma rebelião dos escravos contra os seus senhores) que resultou na inversão de valores morais.

Para galgar essa inversão, seria necessário um processo que ele chamou de transvaloração, que seria a reavaliação da moral, estabelecendo novamente o que seria bom e ruim para a humanidade, sem recorrer aos ideais cristãos. Segundo Nietzsche, antes do cristianismo, bom era aquela pessoa forte e capaz de sobrepor-se, enquanto mau era o fraco.

Após o cristianismo e a rebelião escrava da moral, bom passa a ser o fraco enquanto forte torna-se o mau. O conceito de vontade de poder também aparece nesse período como uma expressão máxima da vida e da força humana e natural, que seria uma espécie de energia vital que tocaria tudo o que existe, fazendo as coisas desenvolverem-se.

Nietzsche também se apossa do conceito de niilismo e dá a ele outro significado, entendendo-o como algo prejudicial para o ser humano, embora presente em todas as pessoas, por ser uma negação da vida material e biológica em detrimento de uma vida extraterrena, que, para Nietzsche, não existia.

Obras

  • Nascimento da tragédia: obra em que Nietzsche analisa a tragédia grega como o elemento máximo que a cultura ocidental teria atingido, justamente por valorizar a vida material como elemento superior, não depositando confiança em uma religião como o cristianismo, que nega a vida terrena e aposta na vida após a morte, a promessa da plenitude no paraíso.

  • Humano, demasiado humano, A gaia ciência e Aurora: são obras aforismáticas que tratam de temas variados, impossíveis de serem resumidos. Aqui Nietzsche reúne uma mistura de ideias que têm sobre a filosofia, estabelece diversos pontos de sua crítica à filosofia desde Sócrates, e intensifica a sua crítica à cultura e à moral cristã ocidental.

  • Assim falou Zaratustra: o professor Roberto Machado, estudioso brasileiro da obra de Nietzsche, classifica o livro como a tragédia nietzschiana. Nietzsche enxergava na tragédia o ponto máximo da cultura por ela fugir da racionalização, mas ele mesmo fazia suas obras por meio de textos demasiadamente racionalizados. Esse livro literário filosófico cria uma perspectiva diferente ao propiciar uma visão trágica do herói Zaratustra, que vive uma saga e propõe ensinamentos filosóficos com base em sua vida.

  • Genealogia da moral, Além do bem e do mal, O anticristo e Crepúsculo dos ídolos: são livros escritos na fase em que Nietzsche pretendia compor a sua grande obra intitulada Vontade de poder. Todos eles adentram no assunto da moral e da crítica à moral cristã como meio de levar o ser humano a reconhecer o seu processo de autodesvalorização, para que ele mesmo pudesse recompor-se e chegar a um novo estado de desenvolvimento pessoal.

Frases

"Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas."

"O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte."

"A justiça é retribuição e troca sob a condição de uma posição de poder aproximadamente igual."

"Abençoados sejam os esquecidos, pois tiram o melhor de seus equívocos."

"Há homens que já nascem póstumos."

"Na verdade, o único cristão morreu na cruz."

"O cristianismo perverteu a Eros; este não morreu, mas degenerou-se, tornou-se vício."

Publicado por Francisco Porfírio
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