Jean-Paul Sartre
Jean-Paul Sartre foi um filósofo, escritor e dramaturgo francês contemporâneo. Autor de dezenas de livros, a sua obra mais importante é o clássico da filosofia contemporânea O ser e o nada. Sartre foi fortemente influenciado pelo pensamento dos filósofos alemães contemporâneos Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger, além da influência em sua obra da fenomenologia do filósofo e matemático alemão Edmund Husserl. Sartre é considerado um dos maiores pensadores da filosofia existencialista.
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Biografia de Jean-Paul Sartre
No dia 21 de junho de 1905, nasceu, na cidade de Paris, Jean-Paul Charles Aymard Sartre, filho de Jean-Baptiste Marie Aymard Sartre e Anne-Marie Schweitzer. Em 1906, o pai de Sartre faleceu. Sua mãe passa a morar com o filho na casa de seu pai, Charles Schweitzer, na cidade de Meudon.
Charles Schweitzer era descendente de uma tradicional família alemã, um grande intelectual e professor de alemão em Meudon. Desde cedo cuidou da educação do neto em casa e colocou-o em contato com o estudo de línguas e de culturas e com a leitura de grandes autores, como Gustave Flaubert, Victor Hugo e Goethe.
A leitura dos clássicos e de grandes escritores contemporâneos desde cedo despertou-lhe um espírito criativo. A ausência de uma figura paterna repressiva e o contato com uma figura paterna mais branda (o avô) proporcionaram a Sartre, como ele mesmo costumava dizer, um espírito mais livre.
Seus primeiros passos na produção de textos filosóficos e literários começaram em 1921, quando Sartre entra para o tradicional Liceu Louis-le-Grand. Lá nasce uma grande amizade entre Sartre e o também filósofo, escritor e jornalista Paul Nizan. No Liceu, Sartre também entra em contato com a obra do filósofo e fenomenólogo francês Henri Bergson. Em 1924, ele entra para o curso de Filosofia da Escola Normal Superior de Paris, onde conhece outro intelectual que marcou o século XX, o filósofo e cientista político Raymond Aron.
De todos os intelectuais que Sartre conheceu nos seus primeiros anos de estudos acadêmicos, a então estudante de filosofia Simone de Beauvoir foi quem mais o marcou. Beauvoir tornou-se, mais tarde, uma referência nos estudos sobre a filosofia existencialista, sobre questões de gênero e sobre o feminismo.
Beauvoir e Sartre começaram um namoro que rendeu uma união estável bastante controversa para a época e que durou até a morte de Sartre, em 1980. Claudine Monteil, escritora feminista e amiga do casal, afirmou em entrevista que Sartre e Beauvoir tinham um “pacto segundo o qual eles compartilhavam o amor mais essencial de suas vidas, mas, ao mesmo tempo, tinham amantes”|1|.
No ano de 1928, após concluir o curso de graduação em Filosofia, Sartre entra no serviço militar francês, servindo o exército como meteorologista até 1931. Ao retornar a Paris, começa a lecionar filosofia no ensino básico e a escrever. Seu primeiro romance foi recusado pelos editores, com isso ele tirou um tempo para estudar.
Em 1933 Sartre parte para Berlim. Lá passa a estudar o existencialismo de Heidegger, a filosofia de Karl Jaspers e, sobretudo, a fenomenologia de Edmund Husserl. O filósofo dinamarquês Kierkegaard e Nietzsche também entram no seu campo de leituras, trazendo teorias que influenciaram toda a construção do existencialismo sartreano.
É nesse período que Sartre escreve o seu romance mais comentado, A náusea, texto que apresentava, de forma teatral, os primeiros princípios do que seria mais tarde o seu existencialismo.
No ano de 1939, Sartre é convocado pelo governo francês para servir o exército durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1940, o filósofo foi capturado e preso pelos inimigos, conseguindo fugir apenas em 1941. O período de prisão e da vivência da guerra foi importante para que Sartre nutrisse maior engajamento político, o que o acompanhou até o fim de sua vida. Tomando uma interpretação bastante própria de Marx e afastando-se dos intelectuais parisienses demasiadamente burgueses, Sartre passa a lutar contra a guerra, contra a exploração capitalista, contra o antissemitismo e contra o nacionalismo. Seu retorno a Paris após a guerra também o coloca em contato com Beauvoir, o que jamais se encerrará até a sua morte. No mesmo período, Sartre funda o grupo Socialismo e Liberdade, de caráter antitotalitário e antifascista e que nutria novas interpretações do marxismo adaptadas aos novos tempos.
Ainda no ano de 1939, Sartre havia iniciado a escrita de O ser e o nada, obra interrompida pela sua convocação a servir o exército francês na guerra. A escrita da obra magna de Sartre terminou em 1943, e ela levou aos leitores uma visão profunda e completa sobre sua teoria existencialista.
Em 1945, com o fim da guerra e a dissolução do grupo Socialismo e Liberdade, Sartre funda, junto a Beauvoir, Raymond Aron e Maurice Merleau-Ponty, também filósofo, a revista literária Tempos Modernos, um marco na escrita sobre a literatura francesa no século XX.
Entre as décadas de 1950 e 1970, Sartre e Beauvoir juntaram-se na luta e no engajamento político. Ele, defensor do marxismo e da luta por justiça social, ela, defensora da luta da justiça social e da igualdade de gênero.
Ambos passaram a interessar-se pela questão anticolonialista e pelo sofrimento dos povos colonizados pela Europa no passado. Na década de 1970, o casal visitou, em Cuba, os líderes cubanos socialistas Fidel Castro e Che Guevara. Em uma longa visita ao Brasil, também conheceram personalidades que compartilhavam os ideais socialistas, como o casal de escritores Zélia Gattai e Jorge Amado.
No ano de 1964, Sartre foi contemplado com um prêmio Nobel de Literatura, mas recusou-o. Para Sartre, a sua filosofia existencialista e a sua literatura eram livres de amarras e jamais deveriam submeter-se ao julgo das autoridades da academia.
O maio de 1968 foi um importante momento político no mundo, em especial na França. Foi nele que Sartre conheceu dois professores de filosofia que, apesar da ainda curta carreira, já eram conhecidos nos círculos filosóficos: Michel Foucault e Gilles Deleuze. Sartre e Beauvoir saíram para as ruas para protestar junto aos estudantes universitários e outros intelectuais, como Deleuze, contra o autoritarismo do presidente Charles de Gaulle.
A partir do início da década de 1970, a saúde de Sartre começou a fragilizar-se, evento que se acelerou pelo ritmo frenético da sua vida: ele bebia muito, quase não dormia e escrevia muito. Assim, o filósofo começou a perder a visão e a sentir fortes dores. Recusava-se ir a médicos, hospitais e a fazer exames, e quando o fazia, não seguia as orientações médicas. Em 1975, Jean-Paul Sarte faleceu na companhia de Simone de Beauvoir.
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Sartre e Simone de Beauvoir
Um casal, sem dúvidas, polêmico para os padrões da época, Sartre e Beauvoir levaram uma vida juntos de companheirismo e cumplicidade. O relacionamento entre os dois durou 51 anos e somente terminou com a morte de Sartre em 1980. Eles eram cúmplices na vida e colaboradores nos estudos e no trabalho.
Sartre e Beauvoir tinham um relacionamento aberto. Em primeiro lugar, eles moravam no mesmo prédio, mas em apartamentos separados. Beauvoir relacionou-se com outras pessoas, homens e mulheres, e Sartre relacionou-se com outras mulheres. Tudo era acordado entre eles. Inclusive, os dois tiveram algumas amantes em comum.
Principais ideias de Jean-Paul Sartre
No campo político, a vida de Sartre foi decisivamente marcada pelo marxismo. O filósofo era marxista e comungava com as ideias socialistas aplicadas no campo prático, porém ele deu uma interpretação bem diferente aos ideais de Marx como maneira de adaptar o sistema comunista à sua obra e às novas demandas do século XX.
Em primeiro lugar, Sartre era pacifista e contra qualquer guerra armada. Em segundo lugar, o filósofo existencialista era contra a imposição direta de ditaduras opressoras, pois ele enxergava na liberdade o principal exercício da vida humana. Para Sartre, havia uma extensão do marxismo no século XX que fez com que essa corrente teórica e política desenvolvesse-se autonomamente, para além do que foi a experiência soviética.
Defensor da liberdade irrestrita, Sartre acreditava ser a liberdade o que movia o ser humano. Para ele, o ser humano é, paradoxalmente, condenado à liberdade. Somos seres feitos de escolhas. Por mais que eventos externos afetem as nossas escolhas, nós continuamos escolhendo. Isso inclui a escolha entre resignar-se para escapar da morte ou enfrentar o poder e ser morto. A maior expressão do pensamento sartreano foi o existencialismo.
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O existencialismo de Sartre
O pensamento existencialista começa nos momentos de crise. Não foi por acaso que o existencialismo surge na filosofia e nas artes com bastante força após a Primeira Guerra Mundial. Uma Europa devastada precisava reconstruir-se, mas havia um embate de forças internas nas pessoas que as fazia perguntar-se qual era o sentido daquilo tudo. O existencialismo tem a ver com esses questionamentos e essa busca pelo sentido da existência.
Para Sartre, o ser humano vive angustiado por três motivos: porque ele percebe-se como um ser finito, porque ele percebe-se abandonado num mundo material e porque ele é incondicionalmente livre e, portanto, incondicionalmente responsável por seus atos. A vida com base nessa percepção não é fácil, mas o enfrentamento da questão e a percepção das possibilidades podem levar o ser humano a aprender a lidar com a angústia.
O ser humano percebe-se como um ser finito, que vai morrer. A nossa consciência permite-nos entender isso. Ele também percebe que está abandonado no mundo material, sem Deus. A filosofia materialista de Sartre rejeitava a noção de Deus e de vida após a morte, o que implica finitude e abandono no mundo material, sem Deus e sem qualquer consolo de um paraíso ou de uma continuidade qualquer da vida em outro plano. Já a liberdade é o que substitui a essência do ser humano, visto que ele não tem uma essência pronta e definida que o componha. Portanto, o ser humano torna-se o que ele faz de si.
Para explicar a sua noção de liberdade e de angústia, Sartre toma alguns conceitos da obra de Heidegger, dando-os um novo contorno e introduzindo-os em sua obra de outro modo. Esses conceitos são o “ser-em-si” e o “ser-para-si”. O ser-em-si é o que Heidegger chamou de Dasein (ser-aí). Trata-se da dimensão material que compõe o mundo, das coisas lançadas no mundo. Para Sartre, o ser-em-si é pronto, definido e tem uma essência.
O corpo humano é um ser-em-si, mas isso não é um ser humano por completo. O ser-para-si é aquilo que somente o ser humano tem: consciência. Essa consciência não nasce pronta e definida, mas é construída por meio da vivência e do exercício da liberdade. O problema que a leva à angústia é que ela percebe a si mesma e percebe-se como desprovida de essência e responsável por si mesma.
Obras de Jean-Paul Sartre
Marcadas pelo existencialismo, as obras de Sartre sempre mantêm um elo conectivo que as interliga, relacionando as ideias contidas em uma obra com as de outras obras do autor. Os principais escritos de Sartre são:
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A náusea: O esqueleto do existencialismo, ainda não organizado de maneira didática, aparece pela primeira vez nesse livro, que é também o primeiro romance publicado por Sartre. O livro é uma espécie de diário do personagem principal, que vaga pelas ruas de uma cidade enquanto vive situações inusitadas e reflete, por meio dessas situações, sobre a existência e a condição humana.
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O ser e o nada: Aqui há o ápice da obra de Sartre e a maior explicação do que é o existencialismo. O texto, bastante erudito, recorre a vários pensadores da história da filosofia e deixa claro a sua predileção pelos existencialistas e pelos fenomenólogos, como Heidegger, Merleau-Ponty, Husserl, Jaspers e Kierkegaard, além de mostrar a face nietzschiana e materialista da obra de Sartre.
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O existencialismo é um humanismo: Texto originalmente escrito para amparar um discurso de Sartre, tem o intuito principal de defender-se das críticas feitas pelos marxistas que o acusaram de elitismo e descompromisso com a causa marxista. Sartre considerava-se marxista, mas boa parte dos intelectuais de movimentos marxistas da época achava que a sua defesa da liberdade humana irrestrita desconsiderava o sofrimento dos trabalhadores. Sartre explica, nesse texto, o que quis dizer com a “condenação à liberdade”, e mostra como isso coloca o existencialismo em compromisso direto com a humanidade.
Notas
|1| Confira a entrevista com Claudine Monteil clicando aqui.