Figuras de palavras ou semânticas
As figuras de palavras ou semânticas são um recurso estilístico, o qual é pautado na distorção do significado literal dos termos. Pode-se dizer que as figuras semânticas dividem-se basicamente em três eixos: o das metáforas, catacreses e comparações; o das metonímias e antonomásias; e o das sinestesias.
O primeiro grupo possui em comum o fato de haver uma comparação referente aos sentidos entre a palavra original e a empregada, sendo ela implícita na metáfora e na catacrese e explícita na comparação. O segundo segmento compartilha a contiguidade entre os conceitos expressos pelos vocábulos, entretanto, a antonomásia refere-se apenas às características do ser, ao passo que as metonímias são mais abrangentes. Por fim, a última diz respeito a uma mistura de sentidos numa mesma sentença.
Leia também: Paradoxo – figura de linguagem que expressa ideias contrastantes e contraditórias
Metáfora
A metáfora é um artifício expressivo, no qual se utiliza uma palavra em um contexto que foge ao disposto nos dicionários, resultando na modificação do sentido dela. Tal emprego justifica-se, pois entre o conceito expresso e a literalidade do termo há alguns pontos de intersecção, ou seja, de similaridades, o que resulta numa associação mental feita pelo falante da língua. Observe o exemplo:
“O circo é um balão aceso com música e pastéis na entrada” (Oswald de Andrade)
Perceba que o circo, de fato, não pode ser o transporte balão, porém, devido a algumas características que esses dois elementos compartilham, por exemplo, a forma arredondada, a iluminação interna, foi possível escolher esse vocábulo dentre os vários existentes (paradigma) e estabelecer a definição presente na oração.
Destaca-se o fato de o uso das metáforas constituírem um mecanismo de economia lexical, uma vez que a distorção do sentido das palavras evita a criação de novas, conforme se constata em expressões presentes no dia a dia, como “furo de reportagem”, “olho d’água”, e na tentativa de transformar-se elementos abstratos em concretos, tais quais “explosão de raiva”, “ferir a dignidade”. Para saber mais sobre essa figura de linguagem e ler mais exemplos, leia: Metáfora.
Catacrese
A catacrese pode ser considerada uma metáfora desgastada, pois, por meio do processo de conexões mentais, escolhe-se uma palavra que exprime uma determinada característica de algo, em vista da falta de um termo apropriado que o identifique.
Além disso, para que se ateste a ocorrência dessa figura de linguagem, o vocábulo escolhido precisa ser usado com tamanha frequência que leve as pessoas a não se atentarem para o sentido original dele, sob pena de ser considerado uma metáfora simples.
Exemplos:
- dente de alho;
- céu da boca;
- cabelo do milho;
- embarcar no avião (embarcar significa entrar no barco).
Percebe-se, então, que a catacrese constitui um fenômeno de lexicalização da construção metafórica, fazendo parte da competência linguística dos falantes de um idioma.
Metonímia
A metonímia consiste na troca de uma palavra por outra, desde que haja uma contiguidade de sentidos entre elas. Portanto, para utilizar-se essa figura de pensamento, deve-se observar, primeiramente, se os vocábulos encontram-se no mesmo campo semântico, pois, apesar de o termo empregado não exprimir o seu significado literal, ele manifestará os seus valores periféricos. Observe o exemplo:
“De repente do riso fez-se o pranto.” (Vinicius de Moraes)
Perceba que, além da materialização física presente nos atos de sorrir e de chorar, o autor apresenta uma camada interpretativa, na qual o riso equivale à ideia de felicidade e o pranto espelha o sentimento de tristeza.
Verifique, a seguir, as situações mais recorrentes de uso da metonímia.
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Autor pela obra
Conhecer Drummond é fundamental para quem aprecia literatura.
O objetivo não é ter contato com a pessoa Drummond, mas sim com os seus poemas.
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Concreto pelo abstrato
O encontro mexeu com o seu coração.
Neste contexto, em vez de o coração referir-se ao órgão do corpo humano, diz respeito ao sentimento da pessoa.
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Forma pelo objeto
— Maria, as listras caíram bem em você.
Aqui as listras não correspondem diretamente à forma, na verdade, representam uma peça do vestuário usado por Maria.
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Consequência pela causa
Infeliz, João jogou-se na queimadura.
No caso, a queimadura constitui uma consequência do fato de João ter ido de encontro ao fogo.
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Matéria pelo objeto
Ao cair no chão, o barro quebrou-se em mil pedaços.
O barro consiste no elemento utilizado para a confecção do vaso que quebrou.
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Continente pelo conteúdo/conteúdo pelo continente
— Garçom, qual é o prato principal de hoje?
O sujeito que fez a pergunta não quer saber se, entre vários utensílios de cozinha, há um mais importante, mas qual comida será servida no prato.
— Filho, não se esqueça de encher o combustível do carro!
A advertência da mãe só faz sentido caso interprete-se combustível como tanque.
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O instrumento no lugar de quem o usa
O pincel é talentoso.
Neste contexto, a característica só pode ser creditada ao indivíduo que manuseia o pincel.
Veja também: Pleonasmo – recurso linguístico que traz uma repetição de ideia ou de palavras
Sinédoque
É importante destacar que a metonímia possui uma variedade denominada sinédoque. Essa é utilizada quando, na oração ou frase, a palavra empregada abarca a totalidade de algo, mesmo que o seu sentido original diga respeito apenas a uma parte. Também pode apresentar o caminho inverso, ou seja, um termo que normalmente abrange uma completude passa a nomear apenas um fragmento dela.
“As velas do Mucuripe vão sair para pescar.” (Belchior)
Observe que as velas são partes dos barcos que navegam.
Os Estados Unidos romperam as relações diplomáticas com a China.
Um país engloba uma série de coisas, por exemplo, território, pessoas, animais, vegetação, economia. O comentário sobre os Estados Unidos não faz menção a todos os elementos presentes nele, mas sim ao grupo de governantes que tomou essa decisão.
Antonomásia ou perífrase
A antonomásia é uma espécie de metonímia, tendo em vista que há entre o conceito expresso e a palavra utilizada uma relação de proximidade, a qual é pautada na troca da identificação padrão pela atribuição das características do ser citado. Dessa forma, há nessa figura de linguagem a substituição do nome próprio por um nome comum ou vice-versa. Veja os exemplos:
A Águia de Haia teve uma grande importância no início do período republicano brasileiro.
Águia de Haia refere-se à Rui Barbosa, pois ele era considerado pelo Ministro das Relações Exteriores tão experiente como uma águia, e, em razão disso, a autoridade escolheu-o para ir a Haia, onde aconteceu a 2ª Conferência Internacional da Paz. Assim, houve a união de uma característica de Rui a uma importante viagem que ele fez.
Catarina, fique atenta ao judas próximo a você!
Judas normalmente é um substantivo próprio, entretanto, no contexto, não corresponde ao nome da pessoa que convive com Catarina, mas sim representa a característica desse sujeito ser traidor tal qual a personagem bíblica.
Comparação ou símile
A símile é pautada na construção de um paralelo entre seres ou situações por causa da semelhança entre eles. Diante disso, confere-se a um dos elementos características existentes no outro a fim de intensificar a primeira afirmação. Destaca-se o fato de a comparação estar explícita na oração, pois, após a primeira consideração e antes da segunda, há, por exemplo, as conjunções como, que nem, igual a, semelhante a. Tal marcação impede que esta figura de palavra seja confundida com a metáfora. Observe o verso do poema “Tercetos”.
Tua alcova é cheirosa como um ninho... (Olavo Bilac)
Para entender melhor como funciona essa figura de palavras, acesse o nosso texto: Comparação.
Sinestesia
A sinestesia acontece quando há uma combinação, na mesma sentença, de experiências captadas pelos diferentes sentidos humanos. Veja, a seguir, alguns exemplos:
e o pão preserve aquele branco sabor de alvorada (Ferreira Gullar)
Apesar de o sabor ser identificado pelo paladar, o poeta, ao caracterizá-lo, utiliza elementos que só podem ser apreendidos pela visão.
Ah Lady Jane… Eu sinto o gosto dos esgotos no chão (A Barca do Sol e Olivia Byington)
Provavelmente, o eu lírico não lambeu o chão, assim, o gosto que é reconhecido pelo paladar, no contexto, assume a forma de cheiro, o qual só pode ser detectado pelo olfato.
Acesse também: Hipérbato – figura de linguagem que se caracteriza pela inversão sintática
Exercícios resolvidos
Questão 1 – (Unama - adaptada)
O Círio de Nazaré
“Na romaria de Nazaré, o melhor dia é a noite da transladação, diziam os namorados. Noite em que a Virgem de Nazaré saía do Instituto Gentil Bittencourt, um colégio de moças, para a Catedral na Cidade Velha, passando a procissão pelas três janelas da família Alcântara. Da velha e bela Sé, o Círio, na manhã seguinte, novamente passando pelos Alcântaras, levaria a santa na sua berlinda para a Basílica ainda e sempre em construção. [...]”
Nas passagens “... passando a procissão pelas três janelas da família Alcântara.” e “... novamente passando pelos Alcântaras...”, o autor organizou seu pensamento de modo especial para relacionar o ir-e-vir da procissão do Círio com os Alcântaras e a residência deles. Para isso, valeu-se da:
a) metonímia
b) metáfora
c) sinestesia
d) perífrase
Resolução
Alternativa A, pois há referência à casa da família Alcântara (todo) pelas "três janelas" (parte) ou apenas pelo nome (substitui-se a propriedade pelo nome do proprietário).
Questão2 - (Uerj)
A metáfora é uma figura de linguagem que se caracteriza por conter uma comparação implícita.
O cartum de Sizenando constrói uma metáfora, que pode ser observada na comparação entre:
a) o sentimento de desilusão e a floresta
b) a propaganda dos bancos e os artistas
c) a ironia do cartunista e a fala do personagem
d) o artista desiludido e o personagem cabisbaixo
Resolução
Alternativa A, pois a metáfora é pautada na associação entre o sentimento de desilusão e a floresta: o primeiro é vasto, grande tal qual uma mata. Além disso, os motivos para o desânimo são praticamente incontáveis como as vegetações presentes numa floresta.