Bernardo Soares

Bernardo Soares, um dos heterônimos do escritor português Fernando Pessoa, é autor do “Livro do Desassossego”, obra caracterizada pela fragmentação e pelo conteúdo reflexivo.
Estátua do poeta Fernando Pessoa em Lisboa, Portugal. [1]

Bernardo Soares foi um dos vários heterônimos do escritor português Fernando Pessoa. Ficou órfão de mãe quando tinha um ano de idade. Mais tarde, tornou-se ajudante de guarda-livros em um comércio de Lisboa e escrevia durante a noite. É autor do Livro do desassossego, uma prosa fragmentada, poética, reflexiva e intimista.

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Biografia de Bernardo Soares

Bernardo Soares foi um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), ou melhor, um semi-heterônimo, pois, “não sendo a personalidade a minha [de Pessoa], é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela”.|1| Ele também afirmou ter conhecido a sua criatura em um restaurante.

Segundo Pessoa, “quando calhava jantar pelas sete horas, quase sempre encontrava um indivíduo cujo aspecto, não me interessando a princípio, pouco a pouco passou a interessar-me”. Ele se referia a Bernardo Soares, “um homem que aparentava trinta anos, magro, mais alto que baixo, curvado exageradamente quando sentado, mas menos quando de pé”.

O escritor Bernardo Soares, órfão de mãe quando tinha um ano de idade, era solitário e se vestia com certo “desleixo não inteiramente desleixado”. No rosto pálido, havia um ar de sofrimento. De acordo com Pessoa, esse “ar de sofrimento” parecia indicar “privações, angústias, e aquele sofrimento que nasce da indiferença que provém de ter sofrido muito”.|2|

Aparentava ser um homem inteligente e trabalhava em um comércio de tecidos em Lisboa, onde era ajudante de guarda-livros. Morava com simplicidade em um quarto alugado e escrevia durante a noite. Soares comia pouco e fumava tabaco de onça. Era observador, tinha um interesse especial nas pessoas. Ele também tinha uma voz “baça e trêmula”, sem nenhuma esperança.

Características da prosa de Bernardo Soares

A prosa de Bernardo Soares possui as seguintes características:

  • fragmentação;

  • traços estilísticos diversos;

  • cunho confessional;

  • caráter modernista;

  • sutileza;

  • niilismo;

  • reflexão.

Análise da obra Livro do Desassossego, de Bernardo Soares

“Livro do desassossego”, de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, publicado pela editora Companhia das Letras. [2]

O Livro do desassossego é uma obra composta de fragmentos que revelam as reflexões de Bernardo Soares. É uma espécie de diário fragmentado, mas sem a indicação de datas. É, portanto, prosa. Às vezes, prosa poética. Apresenta também um aspecto caótico, condizente com o fluxo de pensamento humano.

Assim, Soares fala de sua solidão mas também de seu pertencimento:

Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior.

Ele reflete sobre a sensação de ser menos do que humano ou ser tão pouco sendo humano:

Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos úmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.

A sua solidão é mencionada várias vezes na obra, como neste trecho:

O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pessoa — de uma só pessoa que seja — atrasa-me imediatamente o pensamento, e, ao passo que no homem normal o contato com outrem é um estímulo para a expressão e para o dito, em mim esse contato é um contraestímulo.

Apesar disso, ele revela seu interesse pelo outro, seu desejo de ser outra pessoa:

Quantas vezes me punge o não ser o manobrante daquele carro, o cocheiro daquele trem! Qualquer banal Outro suposto cuja vida, por não ser minha, deliciosamente se me penetra de eu querê-la e se me penetra até de alheia!

Essa solidão acaba se configurando também em independência:

Não me submeto ao estado nem aos homens; resisto inertemente. O estado só me pode querer para uma ação qualquer. Não agindo eu, ele nada de mim consegue. Hoje já não se mata, e ele apenas me pode incomodar; se isso acontecer, terei que blindar mais o meu espírito e viver mais longe adentro dos meus sonhos. Mas isso não aconteceu nunca. Nunca me apoquentou o estado. Creio que a sorte soube providenciar.

A saudade é um tema recorrente no diário do ajudante de guarda-livros. Saudade do patrão Vasques, da mãe, “do outro que eu poderia ter sido”, “de não ser filho”, “dos tanques das quintas alheias”, “do futuro”, “do que nunca houve”, “da infância de que não tenho saudades”, “do exílio impossível”, “do normal que nunca fui” e, por fim:

Saudades! Tenho-as até do que me não foi nada, por uma angústia de fuga do tempo e uma doença do mistério da vida. Caras que via habitualmente nas minhas ruas habituais — se deixo de vê-las entristeço; e não me foram nada, a não ser o símbolo de toda a vida.|3|

Frases de Bernardo Soares

A seguir, leremos algumas frases de Bernardo Soares, retiradas de seu Livro do desassossego:

  • “O coração, se pudesse pensar, pararia.”

  • “Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo.”

  • “Tudo me interessa e nada me prende.”

  • “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.”

  • “Uns governam o mundo, outros são o mundo.”

  • “Há em olhos humanos, uma coisa terrível: o aviso inevitável da consciência, o grito clandestino de haver alma.”

  • “A humanidade tem medo da morte, mas incertamente.”

Veja também: Cinco poemas de Augusto de Campos — um importante poeta brasileiro

Heterônimos de Fernando Pessoa

  • Alberto Caeiro

  • Álvaro de Campos

  • Alexander Search

  • António Mora

  • António Seabra

  • Barão de Teive

  • Bernardo Soares

  • Carlos Otto

  • Charles James Search

  • Charles Robert Anon

  • Coelho Pacheco

  • Faustino Antunes

  • Frederico Reis

  • Frederick Wyatt

  • Henry More

  • I. I. Crosse

  • Jean Seul

  • Joaquim Moura Costa

  • Maria José

  • Pantaleão

  • Pêro Botelho

  • Raphael Baldaya

  • Ricardo Reis

  • Thomas Crosse

  • Vicente Guedes

Notas

|1| PESSOA, Fernando. Escritos íntimos, cartas e páginas autobiográficas. Introdução, organização e notas de António Quadros. Lisboa: Publicações Europa-América, 1986.

|2| PESSOA, Fernando. Livro do desassossego por Bernardo Soares. Lisboa: Ática, 1982.

|3| PESSOA, Fernando. Livro do desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Richard Zenith (Org.). 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Créditos de imagem

[1] Kiev.Victor / Shutterstock

[2] Editora Companhia das Letras (reprodução) 

Publicado por Warley Souza
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