Poesia marginal
A poesia marginal esteve em evidência, no Brasil, durante a década de 1970. Seu caráter marginal se deve à opção de seus autores pela independência artística, já que não tinham vínculo com editoras. É uma poesia irônica, fragmentada, inovadora e experimental. Seus autores fazem parte da chamada “geração mimeógrafo”.
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Resumo sobre poesia marginal
- A poesia marginal possui caráter independente e artesanal, e foi produzida na década de 1970, no Brasil.
- Esse tipo de poesia apresenta humor, ironia, liberdade formal, fragmentação e valorização do cotidiano.
- Os autores da poesia marginal ficaram conhecidos como a geração mimeógrafo.
- Poetas como Torquato Neto, Waly Salomão e Chacal fazem parte dessa geração de escritores.
O que é a poesia marginal?
Na década de 1970, esteve em evidência, no Brasil, a poesia marginal. Esse tipo de poesia ficou assim conhecido porque os poetas que o produziam não dependiam do aval de editoras. Portanto, publicavam seus textos de forma independente e artesanal, daí o caráter marginal de suas publicações.
Eles utilizavam mimeógrafos para tirarem cópias de seus trabalhos, que eram distribuídos ou vendidos nas ruas. Daí a expressão “geração mimeógrafo” para se referir a esses poetas.
Qual o objetivo da poesia marginal?
O objetivo da poesia marginal era valorizar a poesia independente. Portanto, uma poesia desvinculada dos padrões editoriais da época. Dessa forma, a geração mimeógrafo buscava mostrar que a poesia (e, por extensão, a arte) deve ser resultado da liberdade criativa e da independência intelectual de seus criadores. Nessa perspectiva, era resultado de um posicionamento não só artístico, mas também político.
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Principais características da poesia marginal
A poesia marginal apresenta não só liberdade temática, mas também formal. Portanto, pode apresentar estruturas diversas, apesar de ser predominante o verso livre. Assim, com humor e ironia, os poetas fazem crítica sociopolítica e valorizam a cultura brasileira. Seu caráter independente abre espaço para a inovação e o experimentalismo.
É uma poesia antiacadêmica e individualizada. De caráter subversivo, a poesia marginal valoriza o coloquialismo, os palavrões e a ambiguidade. São recorrentes os temas do cotidiano e a fragmentação. A independência dos poetas marginais permite, portanto, a produção de uma poesia rebelde e ousada.
Exemplos de poesia marginal
A seguir, vamos ler um fragmento de poesia em prosa do livro Me segura qu’eu vou dar um troço, de Waly Salomão:
TOTE — o chefão fantástico — invertendo as tábuas da lei, contra os farisas e os bunda mole.
De um preso com ares de jurisconsulto: — O camarada para fazer um crime dá tiros facadas, para falar com a gente faz manha, fala para dentro.
Do preso jurisconsulto da judiciária central: — Casca de jaca escamoso? Eu não dou este epíteto a companheiros.
Judiciária do pavilhão dois: um escritório banal com as piadinhas dos empregadinhos.
Muito homem havia que chegava a escrever o nome de Deus sobre o seu órgão reprodutor ou o escrevia ali antes de possuir uma mulher.
Terebinto = árvore sagrada — revelação — ensinamentos — holocaustos.
Nesse texto poético, o eu lírico traz elementos religiosos, ao mesmo tempo que desconstrói o discurso jurídico. Em seu início, a expressão “o chefão fantástico” parece estar se referindo à figura de Jesus Cristo. Além disso, ironicamente, o texto traz a fala de um preso versado em leis. No mais, é marcado pela fragmentação, ambiguidade, estranhamento e plurissignificação.
É do livro Os últimos dias de paupéria, de Torquato Neto, o poema “cogito”:
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
Nesse poema, o eu lírico se define como pertencente ao momento presente, de forma a valorizar o ato de existir, além de enxergar a morte como um fim natural para a vida. Desse modo, a individualidade é valorizada, bem como o aspecto corriqueiro da existência humana.
Autores da poesia marginal
- Torquato Neto (1944-1972) — piauiense.
- Ana Cristina Cesar (1952-1983) — fluminense.
- Cacaso (1944-1987) — mineiro.
- Paulo Leminski (1944-1989) — paranaense.
- Waly Salomão (1943-2003) — baiano.
- Zuca Sardan (1933-) — fluminense.
- Francisco Alvim (1938-) — mineiro.
- Chacal (1951-) — fluminense.
- Glauco Mattoso (1951-) — paulista.
- Nicolas Behr (1958-) — mato-grossense.
Obras da poesia marginal
- Me segura qu’eu vou dar um troço (1972), de Waly Salomão.
- Os últimos dias de paupéria (1972), de Torquato Neto.
- Preço da passagem (1972), de Chacal.
- Passatempo (1974), de Francisco Alvim.
- Grupo escolar (1975), de Cacaso.
- Saída de emergência (1979), de Nicolas Behr.
- Línguas na papa (1982), de Glauco Mattoso.
- A teus pés (1982), de Ana Cristina Cesar.
- Caprichos & relaxos (1983), de Paulo Leminski.
- Osso do coração (1993), de Zuca Sardan.
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Exercícios resolvidos sobre poesia marginal
Questão 1
Assinale a alternativa que define corretamente o que é a poesia marginal brasileira dos anos 1970.
A) Poesia política, produzida por pessoas desfavorecidas, vítimas de preconceito.
B) Poesia realista, que possui a temática policial como sua principal característica.
C) Poesia independente, pois não está vinculada aos padrões editoriais da época.
D) Poesia de protesto, pois está vinculada a movimentos e partidos políticos.
E) Poesia épica, já que busca enaltecer a figura heroica do povo brasileiro.
Resolução:
Alternativa C.
A poesia marginal ficou assim conhecida por não estar vinculada às editoras. Era, portanto, um trabalho independente por parte de seus autores.
Questão 2
FILHO de Kennedy não quer ser Kennedy
Deus os faz e os junta.
Amanhã em Tara eu pensarei nisso.
Para o bom entendedor: meia palavra basta?
É disco que eu gosto?
Quem vem lá faça o favor de dizer por que é que vem.
Tem gente dando bandeira a meio pau.
Ninguém me ama, ninguém me chama, são coisas do passado (W.S.)
Quem sabe, sabe, conhece bem: gostoso gostar de alguém?
Vai começar a era de Aquarius. Prepare seu coração.
Ou não: dê um pulo do lado de fora.
Compre: Olhe. Vire. Mexa.
Você sempre me aparece com a mesma conversa mole.
Com o mesmo papo furado — só filmo planos gerais.
Sou feiticeiro de nascença/ Trago o meu peito cruzado
A morte não é vingança/ Orgulho não vale nada.
E atrás dessa reticência
Nada, ri-go-ro-sa-men-te nada
Boca calada, moscas voando, e tudo somente enquanto
Eu deixar. Enquanto eu estiver atento nada me acontecerá.
Um painel depois do outro e um sorriso de vampiro;
Eu me viro/ como/ posso me virar.
E agora corta essa — só quero saber do que pode dar certo
Mas hoje tenho muita pressa. Pressa. Pressa! A gente se vê,
Na certa.
NETO, Torquato. Make love, not beds ou é isso mesmo. In: NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, 1973.
A característica da poesia marginal que sobressai no poema de Torquato Neto é
A) a valorização dos temas clássicos da cultura greco-latina.
B) a temática de caráter místico, aliada à fuga da realidade.
C) a idealização da realidade por meio de versos otimistas.
D) o caráter simbólico expresso por meio do estímulo à sensorialidade.
E) o aspecto fragmentado com que as ideias são distribuídas no poema.
Resolução:
Alternativa E.
No poema em questão, o eu lírico apresenta versos, aparentemente, desconexos. Dessa forma, o texto é formado a partir de vários fragmentos.
Créditos das imagens
[2] Companhia das Letras (reprodução)
Fontes
ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2021.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). 26 poetas hoje. 6. ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.
NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, 1973.
SALOMÃO, Waly. Me segura qu’eu vou dar um troço. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.