Crise na Venezuela
A crise na Venezuela se iniciou por volta de 2013, quando Nicolás Maduro assumiu o poder do país. Desde então, ela segue em curso, afetando a política e a economia do país. A crise econômica fez com que milhares de venezuelanos passassem a viver em condição de pobreza e motivou a saída de mais de cinco milhões de pessoas do país.
A crise política, por sua vez, é fruto da falta de alternância no poder, do autoritarismo de Maduro e da radicalização da oposição. A última disputa, nesse sentido, tem relação com a eleição presidencial de 2024, uma vez que a oposição não aceitou o resultado, alegando fraude. O governo de Maduro ainda não apresentou provas da lisura do processo.
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Resumo sobre a crise na Venezuela
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Nicolás Maduro assumiu a presidência da Venezuela, em 2013, como sucessor de Hugo Chávez.
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A Venezuela vive, desde então, uma profunda crise política e econômica.
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A economia venezuelana entrou em uma crise acelerada a partir de 2015, levando o país a uma grave situação.
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Na política, a oposição não aceitou o resultado da eleição presidencial de 2024, afirmando que houve fraude.
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A crise na Venezuela é tão profunda que, desde 2015, mais de cinco milhões de pessoas abandonaram o país.
Origens da crise na Venezuela
Só é possível entender as raízes da crise venezuelana se realizarmos uma breve retrospectiva da história do chavismo no país. A ascensão de Chávez como figura política se deu durante a década de 1990. Hugo Chávez era paraquedista do exército venezuelano e membro do Movimento Bolivariano Revolucionário 200, o MBR-200.
O MBR-200 era um grupo revolucionário de esquerda que tinha como grande objetivo a tomada de poder na Venezuela. Chávez e os membros desse grupo organizaram um golpe contra a presidência do país, em 1992. Na ocasião, o presidente era Carlos Pérez, e o golpe, que contou com a participação de Chávez, fracassou. Ele, assim como outros participantes, foi preso.
Em 1994, Chávez foi anistiado pelo então presidente Rafael Caldeira e resolveu construir uma carreira política. Em 1998, Chávez lançou-se como candidato à presidência da Venezuela, e, durante sua campanha eleitoral, defendeu a necessidade de promover mais justiça social na Venezuela por meio do principal produto da economia do país, o petróleo.
Chávez venceu a eleição de 1998 e, no ano seguinte, assumiu a presidência do país, por 14 anos. Ao longo desse período, ele venceu eleições em 2000, 2006 e 2012, além da vitória que aconteceu em 1998.
Durante seu governo, Hugo Chávez realizou um amplo processo de distribuição de renda na Venezuela. Além disso, o Produto Interno Bruto (PIB) do país aumentou, o número de pobres no país caiu, e a mortalidade infantil também foi reduzida. Apesar de ter tido sucesso na distribuição de renda, o governo chavista contribuiu para o enfraquecimento da democracia no país.
Entre as ações de Chávez que contribuíram para o enfraquecimento da democracia venezuelana, esteve o aparelhamento do Supremo Tribunal, que aconteceu quando o então presidente aumentou o número de juízes, de 20 para 32, e nomeou 12 deles, os quais eram defensores do seu modo de governo. Além disso, Chávez perseguiu opositores e procurou, por meio de reformas na Constituição, perpetuar-se no poder.
As contradições do governo de Hugo Chávez criaram uma forte divisão na Venezuela, uma vez que, por meio das ações de distribuição de renda, seu governo conseguiu conquistar uma massa de pessoas que fornecia forte apoio. Apesar disso, o governo de Chávez também criou uma oposição bastante radicalizada, que não teve pudores em usar a força, como aconteceu em 2002, para retirá-lo do poder.
Depois que Chávez faleceu, em 2013, o país passou a ser governado provisoriamente pelo vice, Nicolás Maduro. Em 2013, este foi escolhido oficialmente presidente do país, após vencer a eleição daquele ano. Desde que Maduro assumiu, a situação da economia e da política venezuelana agravou-se consideravelmente.
Crise econômica da Venezuela
O primeiro ponto a ser abordado da crise da Venezuela é a crise econômica que a atingiu, em peso, a partir de 2014. Como grande raiz dessa crise, houve a desvalorização do petróleo no mercado internacional com início na data citada. Isso teve grande impacto na economia do país porque o petróleo é a principal fonte de riqueza da Venezuela desde o começo do século XX.
A Venezuela é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e possui as maiores reservas de petróleo do mundo. Os ganhos sociais que aconteceram nela durante o governo chavista deram-se, exatamente, por meio dos lucros que o país obtinha da exportação desse produto.
No entanto, o principal problema desse cenário é que essa riqueza em petróleo não foi utilizada pela Venezuela como propulsor para diversificar a economia do país, e isso fez com que ela se tornasse extremamente dependente dessa commodity. Com os lucros do petróleo, a Venezuela importava tudo o que não era produzido por sua economia.
Quando o barril do petróleo desvalorizou-se a partir de 2014, a economia da Venezuela começou a desmoronar. Só para termos uma ideia, o barril do petróleo valia U$ 111,87 em junho de 2014, mas, em janeiro de 2015, o valor era de U$ 48,07. Tamanha redução impactou profundamente a economia do país, pois suas receitas foram reduzidas drasticamente, o que o forçou a reduzir suas importações.
Com menos importações, o mercado venezuelano começou a sofrer com a crise de abastecimento, e itens básicos, como remédios, alimentos e até mesmo papel higiênico, começaram a faltar no país. Como resultado da redução do valor do barril de petróleo, o PIB nacional caiu cerca de 4% em 2014. Para agravar a situação, a estatal que explora o petróleo do país, a Petróleos de Venezuela (PDVSA), começou a produzir menos petróleo. Isso foi resultado direto da falta de investimentos na empresa, que passou a sofrer com o sucateamento de suas instalações.
A crise da economia da Venezuela, por sua vez, não é resultado somente da queda do valor do petróleo. A economia do país também sofreu com as estatizações em massa, as quais foram realizadas ao longo dos anos do governo chavista e contribuíram para o desaquecimento da economia, uma vez que grande parte dessas empresas estatizadas perdeu sua produtividade. Além disso, economistas apontam que a crise também foi causada pela política de manipulação da taxa de câmbio para controlar os preços.
Tal situação econômica agravou-se com o início das sanções impostas pelos Estados Unidos. Essas sanções têm como objetivo impor pressão sobre a economia do país para forçar uma troca de regime e uma eventual democratização da Venezuela. No entanto, elas também contribuem para ampliar a crise econômica do país e o sofrimento da população venezuelana.
O declínio da economia venezuelana impactou diretamente a vida dos cidadãos do país, uma vez que o básico para sobrevivência — os alimentos — começou a desaparecer e teve seus preços aumentados. Para entendermos melhor o real impacto da crise da economia venezuelana, aqui estão alguns dados:
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Entre 2013 e 2017, o PIB do país recuou cerca de 37%, e existem estimativas de que, só em 2018, o recuo tenha sido de 15%.
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O salário mínimo da Venezuela corresponde atualmente a R$ 77.
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A pobreza extrema saltou de 23,6%, em 2014, para 61,2%, em 2017.
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A inflação registrada no ano de 2018 foi de 1.300.000%.
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A crise da economia fez com que mais de cinco milhões de venezuelanos deixassem o país.
A crise econômica da Venezuela e todo o seu impacto sobre a população do país fizeram com que milhões de pessoas buscassem refúgio nas nações vizinhas. Como mencionado, mais de cinco milhões de venezuelanos abandonaram o país. Caso você queira saber mais sobre a crise de imigração e seus impactos no Brasil, sugerimos a leitura deste texto.
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Crise política na Venezuela
Além da crise econômica, a Venezuela sofre com uma crise política que ocorre desde o falecimento de Hugo Chávez, em 2013. Durante os anos do governo de Chávez, já havia muitos distúrbios causados pela radicalização da oposição no país e pelas tentativas do presidente de manter-se no poder.
Em 2002, Chávez sofreu uma tentativa de golpe organizada por parte do empresariado e dos militares do país. Depois disso, o então presidente começou a aparelhar o governo e a corroer a democracia. A guinada autoritária deu-se durante o governo de seu sucessor, Nicolás Maduro.
Quando Maduro assumiu a Venezuela, a crise econômica estava apenas no início, mas a existência dela reforçou a atuação da oposição contra o novo presidente, e isso fez com que ele se aferrasse ao poder e se utilizasse de posturas autoritárias para se sustentar e para combater a oposição.
Um dos primeiros passos da oposição contra Maduro foi a realização de um referendo revogatório do mandato do presidente. O Conselho Nacional Eleitoral do país, no entanto, agiu para barrar esse referendo. A pressão sobre Maduro aumentou consideravelmente a partir de 2015, quando a correlação de forças no Legislativo alterou-se.
Isso aconteceu porque, naquele ano, a maioria dos parlamentares eleitos pertencia à oposição. Maduro, então, tentou enfraquecer o poder de atuação do Legislativo e, para isso, resolveu convocar uma Constituinte a fim de elaborar uma nova Constituição para a Venezuela. A oposição acusou Maduro de convocar uma Constituinte unica e exclusivamente com o objetivo de enfraquecer a Assembleia Nacional, instituição que representa o Legislativo na Venezuela. Em represália a isso, a oposição não lançou nenhum candidato para disputar um cargo na Constituinte.
Enquanto toda essa disputa política acontecia, as ruas do país eram tomadas por manifestantes que lutavam contra o autoritarismo de Maduro. A reação do governo foi reprimir com violência essas manifestações. Opositores do governo começaram a ser perseguidos e presos, e denúncias de tortura e execução de opositores de Maduro começaram a espalhar-se.
Em 2018, foi realizada nova eleição presidencial, à qual Maduro concorreu, vencendo-a contra Henri Falcón, com cerca de 68% dos votos. Essa eleição, porém, não foi reconhecida pela oposição da Venezuela nem por outras nações, sob a alegação de que a vitória de Maduro deu-se por meio de fraudes eleitorais.
Em janeiro de 2018, a política venezuelana foi abalada novamente quando Juan Guaidó, líder da Assembleia Nacional, autoproclamou-se presidente interino do país. A declaração de Guaidó foi acompanhada do reconhecimento de uma série de países, como Estados Unidos, Brasil e Espanha. Maduro, por sua vez, não reconheceu Guaidó como presidente da Venezuela.
Outros países, como a Rússia e a China, não reconheceram a autoproclamação de Guaidó, entendendo que Maduro ainda detinha a autoridade do país. Maduro se sustentou no poder, mesmo com o anúncio de Guaidó, principalmente por meio do apoio dos militares. A disputa entre Maduro e Guaidó foi tensa e houve até ameaças de uma intervenção norte-americana na situação.
A intervenção norte-americana não aconteceu, e a postura do governo de Donald Trump em apoiar Guaidó foi considerada precipitada. A oposição venezuelana não teve forças nessa situação, e a autoproclamação de Guaidó perdeu força. O governo paralelo acabou sendo dissolvido pela oposição em 2022, e essa oposição começou a se preparar para a eleição presidencial de 2024.
A eleição presidencial de 2024 marcou o início de mais um capítulo na crise política da Venezuela. Ela foi disputada por Nicolás Maduro e Edmundo González (candidato da oposição) e os resultados dividiram o país. O Conselho Nacional Eleitoral anunciou que Maduro foi o vencedor, com 51,2% dos votos.
A oposição, por sua vez, alegou que a eleição foi fraudada e que seu candidato obteve cerca de 70% dos votos. O governo de Maduro passou a ser cobrado para apresentar as atas eleitorais a fim de comprovar sua vitória e assegurar que não houve fraude. O governo anunciou que reuniria e apresentaria as atas, mas, passadas semanas da eleição, ainda não o fez.
O novo impasse deu origem a novos protestos nas ruas de Caracas, capital do país. Os protestos se estenderam por dias e foram reprimidos com violência pela polícia. Houve também denúncias de prisões arbitrárias de manifestantes, e algumas pessoas morreram durante os confrontos com a polícia.
Diversos países anunciaram que não reconhecem a eleição de Nicolás Maduro sob argumento de que ela não foi transparente. De fato, houve vários indícios de que a eleição não ocorreu da maneira adequada nem sob o rito democrático. A não apresentação das atas joga grandes suspeitas sobre o governo de Maduro.
De toda forma, os governos da Colômbia e do Brasil têm atuado diplomaticamente e negociado uma saída para a situação. Há pedidos dos dois governos para que as atas eleitorais sejam apresentadas, como também já se cogitou a possibilidade de uma nova eleição presidencial no país. Essa proposta, no entanto, não é aceita pelo governo de Maduro.
Créditos das imagens
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[3] Ruben Alfonzo | Shutterstock
Fontes
PRAZERES, Leandro. O que prevê o 'pacote' de Brasil e Colômbia para a crise na Venezuela após eleição contestada de Maduro. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cr5nd46zgz6o
REDAÇÃO. Eleição na Venezuela 'não pode ser considerada democrática', dizem observadores do Centro Carter. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxw2vnwy2j3o
PAREDES, Norberto. Por que bairros 'chavistas' lideram protestos que questionam vitória de Maduro. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cl5yq255n89o
REDAÇÃO. Análise: EUA e UE devem articular sanções robustas contra Venezuela. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/analise-eua-e-ue-devem-articular-sancoes-robustas-contra-venezuela/
ABDALA, Vitor. Entenda a disputa territorial entre Venezuela e Guiana. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-12/entenda-disputa-territorial-entre-venezuela-e-guiana
PAREDES, Norberto. Essequibo: venezuelanos apoiam proposta polêmica para anexar território disputado com Guiana. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2zzr17lgmo
REDAÇÃO. Venezuela. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/venezuela/