Revolução ou ditadura militar?
O período de vigência da ditadura civil-militar no Brasil, entre 1964 e 1985, levanta inúmeros debates, em face das controvérsias políticas, econômicas, sociais e filosóficas que existem quando se debate um dos períodos de maior repressão à população brasileira. Entre essas controvérsias está a denominação do regime: seria revolução ou ditadura militar o termo que melhor expressaria esse período da História do Brasil?
Para levantar alguns pontos sobre essa discussão, abaixo é exposta a forma em que a “Revolução de 1964” foi apresentada no Ato Institucional nº 1, AI-1, de 09 de abril de 1964. [1]
Segundo os militares que realizaram o golpe de Estado que depôs o presidente legalmente instituído João Goulart, em 31 de março de 1964, a ação foi uma “autêntica” revolução, vitoriosa, pois, como movimento armado, ela distinguia-se dos demais “pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”.
Ainda segundo o AI-1, o “Poder constituinte […] se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma.” Seria dessa forma que se garantiria a legitimidade para construir o novo governo, pois conteria a força normativa do novo período.
A justificativa era que os processos constitucionais da Carta de 1946 “não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País”. E que sendo o governo “destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País.”
Com isso, o novo governo poderia instituir ordens jurídicas contrárias à Constituição de 1946 em alguns pontos. O objetivo era antes de tudo levar à frente a “obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria”. Os Atos Institucionais eram a forma encontrada pelos Comandantes-em-Chefe das Forças Armadas para institucionalizar a “Revolução de 1964”.
Entretanto, algumas questões são levantadas. Se a “revolução” traduzia o interesse e a vontade da nação, por que ela depôs um presidente que tinha apoio popular? Nesse sentido, é possível afirmar que o golpe militar de 1964 traduziu também a vontade de um grupo, pois, caso contrário, não seria necessário reprimir, depôr e prender a outra parte, ou o outro grupo, que também fazia parte da nação brasileira. Seria assim uma forma de apresentar um interesse particular de um grupo como sendo o interesse geral de uma nação.
Por outro lado, a “Revolução de 1964” suprimiu todas as garantias da democracia representativa, paulatinamente e também pela força, com o objetivo de evitar uma ditadura “comunista”, mesmo João Goulart não sendo um comunista. Nesse sentido, os que criticam o termo “Revolução de 1964” o fazem apontando que, para evitar uma suposta ditadura, que não se verificou, os militares e os civis que os apoiaram suprimiram direitos democráticos, o que significou instituir um regime ditatorial.
Mesmo que não tenha existido um indivíduo que personificasse o ditador, as instituições militares foram apontadas como cumprindo esse papel, indicando os ocupantes da cadeira da presidência, por exemplo. A supressão do Poder Legislativo federal em alguns momentos e a submissão do Poder Judiciário ao Poder Executivo, como ficou estabelecido no AI-2, foram ações características de regimes ditatoriais republicanos, que não aceitam uma real divisão de poderes.
Os elementos aqui indicados apontam a complexidade do debate e os interesses políticos por trás dos argumentos utilizados para defender cada um dos pontos de vista.
* Crédito da Imagem: Arquivo Público do Estado de São Paulo.