Marxismo

A palavra marxismo designa dubiamente a doutrina política elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels e o método de análise socioeconômica baseada no que Marx chamou de materialismo histórico dialético, que apresenta como elemento de definição e análise da sociedade a sua produção material.

Quando nos referimos ao marxismo ou aos marxistas, estamos tratando especificamente desses elementos. Para referirmo-nos aos livros de Marx ou à sua obra, sem a especificação da doutrina ou do método de análise social, devemos utilizar o adjetivo “marxiano”, como a “obra marxiana” ou a “teoria marxiana”.

O marxismo ainda é amplamente estudado nos âmbitos da sociologia, da filosofia e da economia. Atualmente, pelo fato de o marxismo estar alinhado a um pensamento de esquerda, setores da direita, sobretudo da direita conservadora, acusam os movimentos de esquerda de infiltrarem os ideais marxistas nas instituições de educação, na mídia e na cultura em geral, formando o que eles chamaram de “marxismo cultural”.

Karl Marx (à esquerda) e Friedrich Engels (à direita) foram os responsáveis pela elaboração teórica do marxismo.

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Características do marxismo

O pensamento marxista está fundamentado no reconhecimento de um sistema de exploração da classe operária pela burguesia. Fundado por Karl Marx e Friedrich Engels, o marxismo fundou-se com base em um pensamento socialista já existente na Europa industrial, a fim de criar uma doutrina amparada pela socialização dos meios de produção (indústrias) e pela tomada de poder da classe operária, tendo em vista sua libertação do sistema explorador.

O marxismo começou a ser difundido por meio das obras de Marx e Engels, lembrando que não foram os autores que criaram o termo “marxismo”, e ganhou força no fim do século XIX a partir da formação de grandes sindicatos de operários. A expressão maior do marxismo deu-se com a Revolução Russa e a ascensão de Vladimir Lenin ao poder na nascente União Soviética.

Outros governos que se autointitularam socialistas marxistas foram o da China, a partir da revolução de Mao Tsé-Tung, e o de Cuba, a partir da Revolução Cubana liderada por Fidel Castro, Raul Castro, Ernesto “Che” Guevara e Camilo Cienfuegos.

Che Guevara, uma dos líderes da Revolução Cubana.

O marxismo, na sua forma pura, defende que deve haver uma revolução pela qual a classe operária toma para si os meios de produção e o governo, suprimindo a burguesia e os seus meios de hegemonia e manutenção do poder, que constituem os conjuntos chamados infraestrutura e superestrutura. Com base nisso, deveria ser criado um Estado forte, com um governo chamado de socialista, que acabaria com a propriedade privada e controlaria toda a propriedade em nome da população, formando uma ditadura do proletariado.

A tendência, defende o sistema marxista, é que aos poucos a diferença de classes sociais deixaria de acontecer, pois as classes seriam suprimidas, formando uma população economicamente homogênea por meio da igualdade social. O fim desse processo, de igualdade plena, seria o chamado comunismo, que pode ser considerado uma utopia, pelo fato de que, até hoje, não foi concretizado.

O socialismo existente antes da teoria marxista é chamado de socialismo utópico. O socialismo marxista pode ser chamado de socialismo científico, pois ele cria uma metodologia sociológica de análise social e traz para a teoria socialista elementos das ciências econômicas. Já o socialismo que entrou em prática nos governos soviéticos (após o afastamento de Lenin e Trotsky e a tomada tirânica de Stalin), chinês (de Mao Tsé-Tung), cubano, vietnamita, entre outros países que passaram por regimes socialistas, pode ser chamado de socialismo real, pois todas essas nações ditas socialistas afastaram-se muito da teoria marxista.

Foram muitos os detratores do marxismo ao longo da história. No século XX, a Alemanha nazista de Hitler efetuou uma caça ao comunismo, que se resumia, para o governo totalitário, a qualquer pensador de esquerda ou que discordasse do governo vigente. Aqui no Brasil, na mesma época, Getúlio Vargas perseguiu e prendeu comunistas que se apresentavam como uma ameaça ao governo desde 1930, destacando nomes como Carlos Marighella, Luís Carlos Prestes e Olga Benário, ativistas marxistas que lutavam na guerrilha armada comunista.

Durante a Guerra Fria, onde se formaram dois blocos econômicos centrais, o socialista e o capitalista, houve uma intensa campanha ideológica dos Estados Unidos para suprimir o que eles chamavam de ameaça comunista, que envolvia governos marxistas, governos de esquerda em geral e pensadores e ideólogos marxistas.

As ditaduras na América Latina, que aconteceram a partir da década de 1960, foram organizadas e financiadas pelo governo estadunidense, pois este justificava haver uma crescente comunista nos países do sul. Aqui no Brasil, porém, a luta armada comunista de cunho marxista já havia acabado desde os anos de 1950, e os guerrilheiros marxistas voltam à cena após a deflagração do golpe civil militar de 1964. No campo econômico, podemos destacar nomes das escolas Austríaca e de Chicago, de orientação neoliberal, como opositores do marxismo nas práticas econômicas e políticas.

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Filosofia

A principal contribuição da teoria marxista para a filosofia reside no conceito de materialismo histórico dialético. Essa concepção filosófica opera uma reviravolta no que se entendia por dialética até então, de Platão a Hegel. O conceito de dialética ganha um escopo estritamente prático e material, dispensando o idealismo alemão em alta no cenário intelectual filosófico do século XIX.

Muitos intelectuais contemporâneos filiaram-se ao pensamento marxista, contribuindo para sua disseminação. Alguns mais revolucionários, como o filósofo italiano Antonio Gramsci, partiram para a defesa direta de uma revolução. Já os teóricos da Escola de Frankfurt fizeram uma releitura do marxismo para uma aplicação que se encaixasse melhor no panorama econômico e político do século XX.

Artistas como Frida Kahlo e o dramaturgo Bertold Brecht inspiraram-se na teoria marxista na composição de suas obras e defenderam abertamente o marxismo como solução para as mazelas sociais. Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir fundaram uma nova perspectiva existencialista que angariou elementos do marxismo, da obra nietzschiana e do conceito de angústia, proveniente da obra do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard.

Michel Foucault também remodelou os conceitos marxistas e readaptou-os à sua análise social baseada no conceito de poder. Nos dias atuais, um filósofo marxista que atualiza as análises sociais provenientes do pensamento de Marx para o século XXI é o esloveno Slavoj Zizek.

Sociologia

No campo da sociologia, as contribuições de Marx destacam-se, principalmente, por seu método de análise social. É importante salientar que essa área do conhecimento ainda não havia sido consolidada como uma ciência rigorosa quando Marx está entre o período intermediário e final de seus escritos. Essa consolidação somente se dá, de fato, com o francês Émile Durkheim.

No entanto, o reconhecimento da produção material da humanidade como fator fundante das sociedades humanas e o reconhecimento da história humana como fruto da luta de classes, ou, em outros termos, o reconhecimento das diferenças sociais e a fundação do materialismo histórico dialético permitem uma nova balizagem para os estudos sociológicos. A qual é influente nos trabalhos de pesquisadores da sociologia ainda nos dias atuais.

O que é marxismo cultural?

O termo marxismo cultural deriva de uma teoria equivocada difundida por setores conservadores para atacar os seus adversários políticos com base na argumentação falaciosa classificada, na filosofia, como falácia do falso espantalho. O marxismo cultural não existe e nunca existiu, havendo inclusive defesas de pensadores influentes da direita liberal que desconsideram por completo a existência de qualquer coisa do gênero.

Os que afirmam a existência do marxismo cultural não o atribuem a Marx, mas sim a Gramsci e aos frankfurtianos. Dizem que há uma conspiração que visa acabar com as bases ocidentais e instalar o socialismo por meio da dissolução do capitalismo. Acontece que, na visão dos que defendem a existência do marxismo cultural, não era suficiente fazer uma revolução, se a cultura continuasse a mesma.

Então, os conservadores que criaram essa teoria pegaram elementos dos escritos de pensadores da Escola de Frankfurt para acusá-los de incitar uma revolução cultural através da penetração em instituições de ensino. Também pegaram os escritos de Gramsci em que ele defende a aniquilação do cristianismo como meio de abalar a cultura ocidental.

O texto de Gary North, pesquisador liberal filiado ao Instituto Mises, grande defensor da direita e do capitalismo liberal voraz, argumenta, comentando a suposta existência do marxismo cultural

É por isso que sempre me espanto quando vejo analistas conservadores aceitando a ideia de marxismo cultural. Eles recorrem aos escritos da Escola de Frankfurt para pegar notas de rodapé que dêem sustento a essa ideia. Os analistas mais sagazes recorrem aos escritos de Antonio Gramsci feitos dentro de uma prisão na década de 1930. Gramsci oficialmente era um comunista. Ele era italiano. Ele passou uma temporada na União Soviética durante a década de 1920 e voltou de lá acreditando que a tradição leninista estava incorreta. O Ocidente havia demonstrado não ser um terreno fértil para o comunismo precisamente porque o Ocidente era cristão. Gramsci entendeu claramente que, enquanto o cristianismo não fosse destruído e permanecesse uma tradição precípua no Ocidente, não haveria nenhuma revolução proletária aqui. A história certamente comprovou-o correto. A revolução proletária jamais veio.

Gramsci argumentou, e a Escola de Frankfurt seguiu seu caminho, que a maneira de os marxistas transformarem o Ocidente era por meio da revolução cultural: daí surgiu a ideia do relativismo cultural. Esse argumento está correto, mas o argumento não era e nem nunca foi marxista. O argumento era hegeliano. Tal argumento virava o marxismo do avesso, assim como Marx havia virado do avesso as ideias de Hegel. Em seus primórdios, toda a ideia do marxismo era baseada na rejeição do lado espiritual do hegelianismo. O marxismo original estabelecia que o modo de produção deveria ser o núcleo da análise da cultura capitalista.” |1|

Ou seja, a acusação da existência de um marxismo cultural é, no mínimo, antimarxista, visto que o marxismo estabelece claramente que a revolução somente acontece pela mudança nas estruturas práticas e políticas da sociedade, pela reestruturação social, e não pela mudança ideal. Para Marx, a mudança só vem pela luta, o que o afasta de Hegel, para quem a mudança viria com novos ideais. O que chamam de marxismo cultural é, então, um paradoxo ou algo que não é marxista.

Marxismo e cristianismo

Marx considerava a religião, sobretudo a religião cristã, um elemento que mantinha a hegemonia burguesa, por, sobretudo, fazer o trabalhador aceitar a sua exploração. Segundo Marx, “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo”|2|. A religião, como uma droga, acalma o povo e mantém-no manso. Em contrapartida, assim como o ópio, ela causa, após o efeito de torpor, efeitos colaterais graves.

O cristianismo, na ótica marxista, teria essa função enfraquecedora da humanidade, que só conseguiria libertar-se do domínio burguês com o abandono das amarras cristãs.

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Marxismo nas escolas

O debate sobre a presença ou não do marxismo nas escolas remonta à difusão de conspiração do marxismo cultural. Dizem haver uma intensa defesa dos ideais marxistas dentro das escolas, o que seria responsável por uma suposta doutrinação ideológica dos estudantes. Os conservadores mais radicais alegam que os professores e professoras estão formando exércitos comunistas para operar uma revolução, e isso, segundo os acusadores, é apoiado pelo Ministério da Educação, que elabora currículos cheios de assuntos marxistas.

Acontece que, na ótica de muitas pessoas que tecem essa acusação, qualquer elemento do currículo pode ser chamado de marxismo, inclusive coisas que nada têm a ver com marxismo, como feminismo e teorias de gênero, e assuntos que até se relacionam com o marxismo, mas não são exclusivos dele, como a redução das desigualdades sociais.

Assim como o marxismo cultural, a acusação de uma doutrinação ideológica marxista nas escolas é infundada e rasa, não representando a realidade das escolas, sobretudo as escolas públicas brasileiras, que têm problemas muito maiores para enfrentar, como a superlotação das salas, a falta de investimento e os desvios de verba, que impedem a chegada do dinheiro nas instituições, a baixa remuneração dos professores, os problemas sociais que refletem na sala de aula etc.

Marxismo e feminismo

Não é possível estabelecer um nexo direto entre a teoria marxista e o feminismo, pois Marx nada falou sobre a questão específica da igualdade de gênero em suas obras que expõem a estrutura marxista. Não obstante, Marx e Engels defendiam ideias de emancipação das mulheres e de igualdade de gênero, dizendo que parte da estrutura de dominação burguesa era permitida pelo sistema familiar tradicional.

Existe um ramo contemporâneo de estudos feministas chamado de “feminismo marxista”, que analisa a questão da desigualdade de gênero e da opressão contra as mulheres por meio da ótica marxista. Essa teoria enxerga o patriarcado como mais uma forma de atuação do capitalismo, que subjuga as mulheres, assim como as classes operárias, para mantê-las sob seu domínio. Fora o feminismo marxista, podemos destacar na história ocidental nomes de mulheres marxistas que contrariaram os estereótipos de gênero e lutaram pela igualdade de direitos, como Rosa Luxemburgo e Simone de Beauvoir.

Notas

|1| NORTH, G. Marxismo cultural é um paradoxo. Disponível em: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1896. Acesso em: 20 de abril de 2019.

|2| MARX, K. p. 145

   

Publicado por Francisco Porfírio
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