Raymundo Faoro

Raymundo Faoro foi um dos grandes pensadores brasileiros do século XX. Autor de importantes ensaios em direito e ciências humanas, sua obra é referência obrigatória nas disciplinas de teoria política brasileira. Sua leitura histórica da formação do Estado brasileiro caracteriza-o como patrimonialista e sua elite política como estamental, isto é, fechada em si mesma, sem abertura para novas lideranças fora desse círculo.

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A concepção de Faoro, condensada em sua obra Os donos do poder (1958), continua sendo importante na leitura do Estado brasileiro. Além de um escritor premiado, Faoro foi importante figura na luta pela reabertura democrática durante a ditadura militar e na consolidação do papel da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nesse processo. Foi também membro da Academia Brasileira de Letras.

“Os donos do poder” é uma obra essencial para o estudo da formação política brasileira. [1]

Biografia de Raymundo Faoro

Raymundo Faoro foi um jurista, advogado, escritor e pensador brasileiro. Nasceu em 27 de abril de 1925, na cidade de Vacaria-RS, filho de imigrantes italianos, o casal de agricultores Attilio Faoro e Luisa D’Ambros. Em 1930, a família mudou-se para Caçador-SC, onde ele fez o curso secundário. Voltou ao seu estado natal na juventude para cursar Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A partir desse período, passou a escrever para revistas e jornais do Rio Grande do Sul e, mais tarde, de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1947, quando era estudante universitário, foi cofundador da revista Quixote. Formou-se em 1948 e, poucos anos depois, em 1951, mudou-se para o Rio de Janeiro, cidade em que atuou como advogado. Em 1963, aprovado em concurso público, tornou-se procurador do estado do Rio de Janeiro, função que exerceu até a sua aposentadoria.

Faoro foi um importante opositor da ditadura militar instaurada no Brasil em 1964. Exerceu papel fundamental na luta pela redemocratização do país por meio da Ordem dos Advogados do Brasil, que protagonizou uma resistência pacífica ao regime (1964-1985) e seus atos institucionais, em defesa da restituição do habeas corpus e dos direitos civis e políticos. Em 1972 foi o representante da OAB no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, e, entre 1977 e 1979, foi o presidente nacional da OAB.

Em 2000 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Foi o quinto ocupante da cadeira número 06, sucedendo a Barbosa Lima Sobrinho. Em vida recebeu alguns dos mais importantes prêmios que um escritor brasileiro possa almejar: Prêmio José Veríssimo, da Academia Brasileira de letras (1959), e Prêmio Moinho Santista, no campo das ciências sociais (1978), em que foi o terceiro premiado, depois de Fernando de Azevedo e Gilberto Freyre |1|.

Colaborou com a imprensa nacional ao longo de toda sua vida, publicou textos analíticos em diversas revistas e jornais, como Carta Capital, IstoÉ, Folha de São Paulo, Veja, O Estado de S. Paulo, entre outros. Faleceu em 15 de maio de 2003, aos 68 anos, no Rio de Janeiro.

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Principais ideias e teorias de Raymundo Faoro

Faoro utilizava conceitos weberianos, mas admitia que suas análises nem sempre seguiam na mesma direção. Assim como Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil, Faoro buscou as raízes luso-brasileiras na formação do Estado desde o Brasil Colônia até Getúlio Vargas.

A formação universitária de Faoro foi no campo das ciências sociais aplicadas (Direito), porém sua obra reverberou profundamente no campo das ciências sociais e humanas. Seu método de análise da história era estrutural, isto é, buscava entender os fatos dentro de um contexto maior, apontar suas causas e vislumbrar um sentido.

Ao contrário das análises estruturais marxistas, que focavam a explicação na infraestrutura, representada na sociedade civil, Faoro desenvolveu sua explicação com base na superestrutura, representada no Estado|3|.

Outra diferença entre a interpretação de Faoro e as interpretações marxistas do Brasil residia no fato de ele não considerar que aqui houve um regime descentralizado em que cada grande propriedade tornava-se um poder político local autônomo. Para ele, mesmo que se constituísse um poder local, este estava constantemente submisso ao poder central da Coroa portuguesa.

Ao estudar a formação do Estado português, que, transportado para o Brasil, conformou também a formação do quadro estatal e político brasileiro, Faoro identificou que em Portugal, ao contrário de outras partes da Europa, o que predominava na Baixa Idade Média não era o feudalismo, mas o Estado patrimonial. O poder em Portugal era centralizado por ser um Estado que sempre enfrentava tentativas de invasões muçulmanas, portanto, devia estar organizado e preparado para a guerra.

Portanto, para Faoro, no Brasil nunca houve feudalismo, mas um governo centralizado, ao molde português, com o poder legal vinculado ao rei, que decidia sobre tudo conforme sua vontade, doava terras aos amigos como bem entendesse, apropriava-se da riqueza produzida na colônia e a redistribuía como lhe conviesse.

As capitanias hereditárias, por exemplo, eram concessões de terra a indivíduos leais ao monarca que, por sua vez, redistribuíam-na em sesmarias aos seus subordinados leais. Desse modo, características típicas do feudalismo, como descentralização e autonomia local, não se concretizaram no Brasil.

Embarque do príncipe regente de Portugal, Dom João, e toda família real para o Brasil.
  • Estamento patrimonialista

Raymundo Faoro tomou emprestado de Max Weber o conceito de estamento. Um exemplo de sociedade estamental é o feudalismo europeu, em que três estamentos — clero, nobreza e povo — estruturavam a sociedade, cada qual com direitos e obrigações específicos bem como uma função social: religiosa, no caso dos clérigos; política e bélica, no caso dos nobres; e laboral, no caso do povo, composto por camponeses.

A mobilidade social, isto é, a transição de um estamento para outro, era um caminho muito difícil, senão impossível, e a posição de privilégio e estima social era restringida. O senhorio político tradicional, na tipologia weberiana, tinha como uma de suas modalidades a estamental-patrimonial, isto é, o estamento que gozava de estima social utilizava-se do poder político como se fosse de sua propriedade.

Faoro identificou na sociedade brasileira, tendo como base explicativa a colonização portuguesa, a formação de um estamento patrimonialista, isto é, um estamento em que o poder público era utilizado para fins privados e não para o bem coletivo. O autor identifica esse traço desde o alto-comissariado da Coroa portuguesa até o grupo de assessores do chefe de Estado após a Proclamação da República: o corpo de servidores trabalhava como se fosse uma extensão do ambiente doméstico do chefe.

O conceito de estamento burocrático não se refere a um modelo ideal de estado: burocrático, racional, impessoal, em que todas as pessoas tenham o mesmo tratamento na oferta de serviços e a equivalência legal em situações de conflito, mas a um modelo tradicional, em que as mesmas famílias perpetuam-se na elite estatal e, por meio do Estado, angariam para si poder, riqueza e distinção social. Assim, o Estado, para Faoro, não servia aos interesses da elite agrária ou industrial do país, mas à sua própria elite político-administrativa que dele se beneficiava. A este seleto grupo, Faoro denominou patronato político brasileiro.

A origem desse patronato está no patrimonialismo, conceito weberiano que consiste numa forma tradicional de dominação política, típica de sistemas centralizados, em que não havia uma distinção clara entre o que era público e o que era privado e que, à medida que os Estados modernizavam-se, tendia a transformar-se em patrimonialismo burocrático-autoritário, ao contrário dos Estados democráticos com base racional-legal, impessoal, descentralizada.

Como sintetiza brilhantemente o sociólogo Bolívar Lamounier, essa formação centralizadora do poder político no Brasil impedia que se formassem outros polos de poder na sociedade civil, como uma classe média organizada, partidos políticos fortes, sindicatos fortes.

O poder econômico e o poder político eram extremamente concentrados, desde a elite açucareira, depois cafeeira, até a própria elite industrial, todas se formaram em ligação umbilical com o Estado, os sindicatos de operários nasceram ligados ao Ministério do Trabalho e os partidos eram cassados em períodos autoritários.

Portanto, o poder não era dividido, e essa concentração impedia que a democracia se desenvolvesse de forma perene por meio dos grupos de pressão na sociedade civil que fizessem frente ao Estado e estimulassem que o poder, os recursos e direitos fossem distribuídos às parcelas excluídas pela burocracia estatal.

Obras de Raymundo Faoro

Sua primeira obra foi também a mais importante, Os donos do poder, lançada em 1958. Outras publicações importantes ao longo de sua trajetória foram Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio (1974), A Assembleia Nacional Constituinte: a legitimidade recuperada (1981) e Existe um pensamento político brasileiro? (1994)|2|.

Algumas coletâneas de textos ou entrevistas foram lançadas após a sua morte: A república inacabada (org. Fábio Konder Comparato), 2007; A democracia traída (org. Mauricio Dias), 2008; A república em transição (org. Joaquim Falcão & Paulo Augusto Franco), 2018.

Raymundo Faoro era liberal?

Raymundo Faoro era um liberal. Aspirava que se formasse no Brasil um Estado democrático, impessoal, racional, legal, em que todos gozassem de igualdade jurídica e igualdade ao acesso de serviços e oportunidades. Durante a ditadura militar, da qual ele era opositor, sua postura moderada permitia-lhe transitar entre liberais e progressistas e contribuir na composição de uma frente ampla para fortalecer o processo de abertura democrática.

Nos anos 1980, já durante o governo Figueiredo, militou pela anistia ampla e irrestrita. Sua casa tornou-se ponto de encontro de políticos de diversos matizes, de Tancredo Neves, um grande expoente da oligarquia política tradicional, a Lula, líder sindical. Essa postura de um democrata, aberto a pessoas de diferentes posições políticas, à negociação de pautas divergentes e à defesa intransigente das liberdades civis, exemplifica e reforça o seu liberalismo.

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Frases

“Aqui a história, pelo menos a história da democracia, ainda não começou.”

“Sobre a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político — uma camada social, comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes — impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando.”

“Deitou-se remendo de pano novo em vestido velho, vinho novo em odres velhos, sem que o vestido se rompesse nem o odre rebentasse.”

“Sempre achei que o trabalhador devia ter um partido, uma representação. Era necessário à democracia.”

Notas

|1| Academia Brasileira de Letras. Raymundo Faoro: Biografia.

|2| Intérpretes do Brasil. Raymundo Faoro. Para acessar, clique aqui.

|3| COMPARATO, Fábio Konder. Raymundo Faoro historiador. São Paulo: Estudos Avançados, vol.17 n. 48, 2003.

Crédito da imagem

[1] Biblioteca Azul (Reprodução)

Publicado por Milka de Oliveira Rezende
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