Barroco no Brasil
O barroco no Brasil está associado a obras produzidas no período de 1601 a 1768. O estilo chegou ao país após seu surgimento na Europa, no século XVI, e teve como marcos históricos a Reforma Protestante e a Contrarreforma. A Itália é o berço desse movimento e seu maior representante, nas artes visuais, é o pintor italiano Caravaggio (1571-1610). No entanto, na literatura, os poetas espanhóis Francisco de Quevedo (1580-1645) e Luis de Góngora (1561-1627) são seus principais representantes.
As principais características da literatura barroca são o fusionismo, o cultismo e o conceptismo. No Brasil, os dois principais escritores desse estilo são Gregório de Matos (1636-1696), autor de poesias sacras e satíricas, além de Pe. António Vieira (1608-1697), com seus sermões. No entanto, Prosopopeia, de Bento Teixeira (1561-1600), é considerada a obra inaugural do barroco no país. Já nas artes visuais, os artistas Aleijadinho e Mestre Ataíde são destaques em nossa cultura.
Resumo sobre o barroco no Brasil
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Contexto histórico:
- Brasil Colônia
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Características do barroco:
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Conflito existencial
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Imagens contrastantes
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Teocentrismo
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Uso recorrente de:
- Antítese
- Paradoxo
- Hipérbole
- Hipérbato
- Sinestesia
- Comparação
- Metáfora
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Visão pessimista da realidade
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Feísmo
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Linguagem rebuscada
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Conceptismo
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Cultismo
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Carpe diem
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Uso da medida nova
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Fascinação pela morte
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Fusionismo
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Obras barrocas:
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Prosopopeia, de Bento Teixeira
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Sermões, de Pe. António Vieira
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Poesias lírico-filosóficas, sacras e satíricas de Gregório de Matos
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Arte barroca:
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Caravaggio
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Mestre Valentim
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Mestre Ataíde
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Francisco Xavier de Brito
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Aleijadinho
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Barroco na Europa:
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Luis de Góngora
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Francisco de Quevedo
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Francisco Rodrigues Lobo
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Jerónimo Baía
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António Barbosa Bacelar
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António José da Silva
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Gaspar Pires de Rebelo
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Teresa Margarida da Silva e Orta
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D. Francisco Manuel de Melo
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Soror Violante do Céu
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Soror Mariana Alcoforado
Leia também: Quinhentismo – movimento literário que antecedeu o barroco no Brasil
Contexto histórico do barroco no Brasil
No Brasil do século XVII, a economia era baseada na produção de cana-de-açúcar, pelo uso de mão de obra escravizada, composta por índios brasileiros e negros africanos. A cultura da colônia era um reflexo dos costumes da metrópole, ou seja, Portugal. A Europa estava dividida entre o catolicismo e o protestantismo. Dessa forma, a religião predominante e oficial no Brasil era a católica.
Em resposta à Reforma Protestante, ocorrida no século XVI, a Igreja Católica tomou medidas para não perder mais fiéis, tais como a retomada do Tribunal do Santo Ofício (a Inquisição) e a fundação da Companhia de Jesus. Essa reação ao protestantismo ficou conhecida como Contrarreforma. Graças a ela, os indígenas brasileiros foram alvo de catequização, o que muito contribuiu para a aculturação desses povos.
Nesse contexto, a religião acabava sendo o centro de tudo (teocentrismo) e exercia forte influência nas decisões governamentais. Desse modo, monarquia e religião andavam de mãos dadas. Daí a importância de personalidades como Pe. António Vieira, figura política e religiosa extremamente influente em relação ao rei de Portugal. Assim, a tradição católica está fortemente refletida na arte barroca, seja nas artes visuais, seja na literatura. Entretanto, muitas obras desse período trazem imagens conflituosas, já que a fé, paradoxalmente, convivia com a incerteza.
Características do barroco no Brasil
-
Conflito existencial
-
Imagens contrastantes
-
Teocentrismo
-
Uso recorrente de:
- Antítese
- Paradoxo
- Sinestesia
- Metáfora
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Visão pessimista da realidade
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Feísmo: imagens grotescas
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Linguagem rebuscada
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Conceptismo: jogo de ideias
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Cultismo: jogo de palavras
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Carpe diem: “aproveitar o dia”
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Uso da medida nova: versos decassílabos
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Fascinação pela morte
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Fusionismo: fusão entre elementos opostos
Leia também: Arcadismo – movimento artístico que sucedeu ao barroco no Brasil
Obras barrocas
O livro que inaugura o barroco brasileiro é Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira. A obra configura-se como um poema épico que combina fatos históricos e mitológicos para homenagear o governador de Pernambuco Jorge d’Albuquerque Coelho (1539-1596):
Cantem Poetas o Poder Romano,
Submetendo Nações ao jugo duro;
O Mantuano pinte o Rei Troiano,
Descendo à confusão do Reino escuro;
Que eu canto um Albuquerque soberano,
Da Fé, da cara Pátria firme muro,
Cujo valor e ser, que o Céu lhe inspira,
Pode estancar a Lácia e Grega lira.
[...]
Já a obra mais conhecida de Pe. António Vieira é Sermões, de 1679. Além dela, é possível apontar: Esperanças de Portugal (1659), História do futuro (1718) e Obra completa (2015). Assim, no trecho seguinte, do “Sermão de Santa Teresa”, Vieira traz a antítese, ao opor céu e terra, e enaltece o Evangelho, comparado-o à luz do céu na terra. Usa também o paradoxo, ao afirmar que “as prudentes foram néscias” e que “as néscias foram prudentes”:
“Com os olhos no céu, com os olhos na terra e com os olhos no Evangelho determino pregar hoje, que é o modo com que nas festas dos santos se deve pregar sempre. Deve-se pregar com os olhos no céu, para que vejamos o que havemos de imitar nos santos; deve-se pregar com os olhos na terra, para que saibamos o que havemos de emendar em nós; e deve-se pregar com os olhos no Evangelho, para que o Evangelho, como luz do céu na terra, nos encaminhe ao que havemos de emendar na terra e ao que havemos de imitar no céu. O que hoje nos põe diante dos olhos o Evangelho são dez virgens, cinco néscias e cinco prudentes, [...]. Mas quando olho — coisa notável! — quando olho para as virgens prudentes com os olhos no céu, e quando olho para as néscias com os olhos na terra, vejo-as com os apelidos trocados. As prudentes, vistas com os olhos no céu, parecem-me néscias; e as néscias, vistas com os olhos na terra, parecem-me prudentes. Isto é o que se me afigura hoje, e esta será a matéria do sermão: que as prudentes, vistas com os olhos no céu, foram néscias, e que as néscias, vistas com os olhos na terra, foram prudentes. [...]”
Por fim, o poema satírico a seguir, de Gregório de Matos — autor que não publicou nenhum livro em vida —, faz uma crítica à exploração estrangeira, que leva as riquezas da Bahia.
Para isso, o eu lírico, com o uso de antíteses, faz uma comparação entre si e a Bahia. No presente, ela está “pobre”, e ele, “empenhado”, mas, no passado, ela foi “rica”, e ele, “abundante”. Contudo, o Brichote (o estrangeiro) levou da Bahia “tanto açúcar excelente”. Dessa maneira, são responsáveis pelo atual estado de ambos a “máquina mercante” (em relação à Bahia) e o “negócio” e o “negociante” (em relação ao eu lírico):
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Sobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Veja mais: Classicismo – movimento artístico que surgiu no contexto do renascimento
Principais autores do barroco no Brasil
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Bento Teixeira
Nasceu em 1561, em Portugal, e mudou-se para o Brasil em 1567. Filho de cristãos-novos, foi denunciado pela esposa como praticante do judaísmo. Acabou assassinando a mulher, provavelmente devido à prática de adultério. Assim, de volta a Portugal, em 1599, foi condenado à prisão perpétua e morreu em 1600.
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Gregório de Matos
Nasceu em Salvador, em 20 de dezembro de 1636. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde trabalhou durante alguns anos. De volta ao Brasil, devido a inimizades, foi deportado para Angola em 1694. No entanto, após permissão para retornar ao seu país, morreu em 26 de novembro de 1696 (ou 1695), em Recife. Para saber mais sobre esse importante poeta brasileiro, acesse: Gregório de Matos.
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Pe. António Vieira
Nasceu em 6 de fevereiro de 1608, em Portugal, mas mudou-se para o Brasil em 1615. Ingressou na Companhia de Jesus em 1623. Um mestre da argumentação, exerceu forte influência sobre o rei d. João IV (1604-1656), em Portugal. No entanto, pelo fato de ser um defensor dos cristãos-novos, conseguiu inimizades entre membros da Igreja. Foi condenado por heresia pela Inquisição e perdoado em 1669. Voltou ao Brasil em 1681, antes de morrer, em 18 de julho de 1697, em Salvador. Para conhecer mais a vida e obra desse importante autor do barroco brasileiro, acesse: Padre António Vieira.
Arte barroca
O barroco nasceu na Itália, e seu maior nome é o pintor Caravaggio, cujas obras exploram a perspectiva do chiaroscuro (claro-escuro), em um contraste de luz e sombra, além de contar com a presença de temas religiosos, memento mori (lembrança da morte), feísmo e cores intensas.
Já em Portugal, a influência religiosa tornou-se ainda mais relevante na arte barroca. Ao chegar ao Brasil, além de elementos da tradição católica, o estilo assimilou peculiaridades da nascente cultura brasileira.
A arte barroca brasileira confunde-se com a estética rococó, pois apresenta temas mais leves, preferência por linhas curvas e assimetria das formas, além da presença de cores claras, mais suaves, assumindo um caráter ornamental. Assim, os principais artistas do barroco-rococó no Brasil são:
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Mestre Valentim (1745-1813): escultor
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Mestre Ataíde (1762-1830): pintor
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Francisco Xavier de Brito (?-1751): escultor
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Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa) (1738-1814): arquiteto e escultor
Leia mais: Barroco mineiro – principal manifestação das artes plásticas no Brasil Colônia
Barroco na Europa
Além dos espanhóis Luis de Góngora e Francisco de Quevedo — os mais importantes autores do barroco europeu —, a Europa conta com os seguintes autores portugueses:
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Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622)
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Jerónimo Baía (1620-1688)
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António Barbosa Bacelar (1610-1663)
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António José da Silva (1705-1739)
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Gaspar Pires de Rebelo (1585-1642)
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Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793)
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D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666)
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Soror Violante do Céu (1601-1693)
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Soror Mariana Alcoforado (1640-1723)
Veja também: Breve história e fases da literatura portuguesa
Exercícios resolvidos sobre Barroco no Brasil
Questão 1 – (Ufam) Assinale a opção cujo enunciado refere-se corretamente ao barroco brasileiro:
A) Constitui-se, basicamente, de obras que visitantes e missionários colheram sobre a geografia e o homem nativo, com o objetivo de informar a Coroa portuguesa.
B) Na poesia do período, encontra-se um labirinto de significantes, mediante o uso abusivo de jogos de palavras, trocadilhos e enigmas.
C) Encontram-se traços pré-românticos nas obras poéticas, traços que, por serem poucos, não conseguem romper com o arraigado neoclassicismo do período.
D) Gregório de Matos, o principal poeta desse momento, distingue-se, como acabado neoclássico, pela sobriedade do caráter e a contenção das emoções.
E) A prática da poesia bucólica tem como fundamento o mito do homem natural, em oposição ao homem urbano, cheio de vícios e prazeres desregrados.
Resolução
Alternativa B. É característica do barroco o jogo de palavras (cultismo), como o uso de trocadilhos, o que leva a uma linguagem rebuscada e enigmática.
Questão 2 – (Unimontes) Gregório de Matos, o mais conhecido poeta do barroco brasileiro, NÃO apresenta como característica o que se lê na alternativa:
A) A sua poética encontra-se em perfeita sintonia com a cultura mestiça, carnavalizada e sensual da Bahia.
B) A sua poesia expressa os desconcertos do Brasil colonial, submetido aos desmandos da corte e aos abusos da classe dominante.
C) Seus versos usam metáforas de forte coloração, ambiguidades eróticas e expressões chulas, o que justifica a sua alcunha de “Boca do Inferno”.
D) Seus versos traduzem anseios da classe política brasileira que reage aos desatinos da população iletrada com termos vulgares e de baixo calão.
Resolução
Alternativa D. Os versos de Gregório de Matos não são porta-vozes da classe política brasileira. Muito pelo contrário, já que ela é alvo da crítica do poeta.
Questão 3 - (Unimontes) Leia o texto abaixo de Gregório de Matos.
Romance
Adeus praia, adeus Cidade,
e agora me deverás,
Velhaca, dar eu adeus,
a quem devo ao demo dar.
Que agora, que me devas
dar-te adeus, como quem cai,
sendo que está tão caída,
que nem Deus te quererá.
Adeus Povo, Adeus Bahia,
digo, Canalha infernal,
e não falo na nobreza
tábula, em que se não dá.
Porque o nobre enfim é nobre,
quem honra tem, honra dá,
pícaros dão picardias,
e inda lhes fica, que dar.
E tu, Cidade, és tão vil,
que o que em ti campar,
não tem mais do que meter-se
a magano, e campará.
MATOS, 2007. p. 205.
Vocabulário: tabula: (do lat. tabula) pequena peça redonda, geralmente de osso ou de marfim, usada em vários jogos; campar: ufanar-se, vangloriar, gabar-se.
Com base na leitura e interpretação do fragmento do poema acima, assinale a alternativa INCORRETA.
A) O poema apresenta características da poesia satírica de Gregório de Matos.
B) A personificação da Cidade ressalta o estado depreciativo a que se refere o poeta.
C) A imagem da cidade é construída através da crítica e da negatividade.
D) O texto evidencia a despedida bucólica do poeta a sua cidade natal.
Resolução
Alternativa D. No texto, não há bucolismo, isto é, não ocorre a idealização da natureza, não há menção à paisagem campestre ou pastoril.
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