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Castro Alves

Castro Alves, ou Antônio Frederico Castro Alves, é um poeta romântico do século XIX. Nasceu em Muritiba, no estado da Bahia, em 1847, e morreu em Salvador, no ano de 1871. É conhecido como o “Poeta dos Escravos”, em função de suas poesias de cunho abolicionista. O escritor também escreveu poemas de amor, mas sua poesia de cunho social fez dele o principal nome da terceira geração romântica.  

O poema O navio negreiro é o mais conhecido do escritor Castro Alves, dada a sua importância histórica e política. No entanto, poemas como “Mocidade e morte”, “Dedicatória” e “O laço de fita”, presentes em seu livro Espumantes flutuantes, mostram a sua capacidade de fazer versos sobre variados assuntos.

Castro Alves é o grande nome da poesia condoreirista do Brasil.
Castro Alves é o grande nome da poesia condoreirista do Brasil.

Biografia de Castro Alves

O poeta brasileiro Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847. Seu interesse pela poesia começou na infância, quando estudava na Escola do Barão de Macaúbas. Sua vida literária solidificou-se quando ele ingressou na Faculdade de Direito do Recife em 1864, onde passou a ser conhecido pelos seus versos.

Em 1866, o poeta apaixonou-se pela atriz e poetisa portuguesa Eugênia Câmara (1837-1874), que passou a exercer influência em sua vida e obra. Apesar disso, a fama do Poeta dos Escravos não se deve a suas poesias de amor, mas à sua poesia de cunho social. Em 1868, Castro Alves mudou-se para São Paulo, em companhia de Eugênia Câmara, que acabou rompendo com o poeta.

Desenho de Castro Alves que retrata a atriz e poetisa portuguesa Eugênia Câmara.
Desenho de Castro Alves que retrata a atriz e poetisa portuguesa Eugênia Câmara.

A partir daí, a vida do poeta assumiu um caráter trágico. Em 1869, Castro Alves, acidentalmente, durante uma caçada, deu um tiro no pé esquerdo, que precisou ser amputado. Com a saúde frágil desde os 17 anos, devido à tuberculose, não conseguiu vencer a doença e morreu em 6 de julho de 1871, com 24 anos de idade, deixando inacabado o seu livro Os escravos.

Leia também: José de Alencar – vida e obra do grande prosador do romantismo brasileiro

Contexto histórico

  • Sociedade

Castro Alves nasceu durante o Segundo Reinado, que durou de 1840 a 1889, sob o comando de Dom Pedro II. O debate sobre a escravidão teve avanços importantes nesse período. A abolição da escravatura só ocorreu em 1888, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel. No entanto, antes disso, outras leis foram promulgadas com vistas a combater a escravidão no Brasil:

  • Lei Eusébio de Queirós (1850): proibia o tráfico de escravos.
  • Lei do Ventre Livre (1871): declarou livres as crianças nascidas de mães escravas a partir daquela data.
  • Lei dos Sexagenários (1885): tornou livres escravos com 60 anos de idade ou mais.

Antes da assinatura da Lei Áurea, havia um embate entre as seguintes correntes ideológicas:

  • Escravistas: queriam a permanência da escravidão.
  • Emancipacionistas: defendiam um processo gradual para a libertação dos escravos.
  • Abolicionistas: lutavam pela liberdade imediata dos escravos.
  • Artes

Nas artes, predominava o Romantismo, do qual faz parte o abolicionista Castro Alves. A poesia brasileira desse período foi dividida em três fases:

Características da poesia de Castro Alves

Castro Alves pertence à terceira geração romântica, que apresenta as seguintes características:

  • Poesia de cunho social: temática voltada para problemas sociais e políticos do país.
  • O condor como símbolo da liberdade: o condor, ave da Cordilheira dos Andes, representava o poeta dessa geração; assim como essa ave, ele conseguiria ver a realidade “de cima”, isto é, a partir de um campo de visão mais amplo.
  • Os condoreiros participavam dos debates sociais: esses poetas estavam atentos aos problemas sociais do país e usavam sua poesia para divulgar suas ideias e críticas.
  • Sem fuga da realidade: ao contrário da segunda geração romântica, o poeta condoreiro encarava a realidade de seu país e buscava combater os problemas sociais.
  • Os poetas pretendiam atingir um grande número de pessoas: declamavam suas poesias em teatros e em praças públicas.
  • Linguagem: uso de vocativos, exclamações e hipérboles, de modo a despertar a emoção do leitor/ ouvinte, que, dessa forma, seria motivado a tomar uma atitude.

Veja também: Realismo no Brasil – estética literária que revelou Machado de Assis

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Obras de Castro Alves

São obras do autor:

  • Espumas flutuantes (1870)
  • Gonzaga, ou a revolução de Minas (1875)
  • A cachoeira de Paulo Afonso (1876)
  • O navio negreiro (1880)
  • Os escravos (1883)
  • O Navio negreiro

O poema O navio negreiro, dividido em seis partes, é apresentado com o subtítulo: “tragédia no mar”. Foi pensando no sofrimento de mulheres e homens escravizados, tirados do país de origem e transportados, em condições subumanas, para o Brasil, que Castro Alves escreveu seu poema, com o intuito de sensibilizar o país acerca da desumanidade associada à escravidão.

Capa do livro O navio negreiro, da editora Panda Books [1].
Capa do livro O navio negreiro, da editora Panda Books [1].
  • Primeira parte

Na primeira parte, o eu lírico leva o leitor para o cenário onde se passará “a tragédia”: “‘Stamos em pleno mar...”. Ele vai repetir essas palavras no início das quatro primeiras estrofes, de forma a transportar o leitor para este cenário: o mar, cujas ondas refletem o céu noturno:

“‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...”

Em seguida, o eu lírico apresenta o navio negreiro: “Veleiro brigue corre à flor dos mares/ Como roçam na vaga as andorinhas...”. E pergunta de onde ele vem. Na sequência, ele descreve a natureza perfeita, harmônica:

“Bem feliz quem ali pode nest’hora

Sentir deste painel a majestade!...

Embaixo — o mar... em cima — o firmamento...

E no mar e no céu — a imensidade!

 

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!

Que música suave ao longe soa!

Meu Deus! Como é sublime um canto ardente

Pelas vagas sem fim boiando à toa!”

Assim, o eu lírico parece desfrutar da natureza. O objetivo da voz poética é despertar no leitor esse encantamento, para, ao mostrar os horrores do navio negreiro, conseguir, nessa oposição, emocionar o leitor. Por isso, o eu lírico, propositalmente, adia as imagens fortes que serão mostradas, como vemos em:

“Esperai! Esperai! deixai que eu beba

Esta selvagem, livre poesia...

Orquestra — é o mar que ruge pela proa,

E o vento que nas cordas assobia...”

Então, o eu lírico questiona: “Por que foge assim, barco ligeiro?/ Por que foges do pávido poeta?”. E pede ao albatroz: “Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas...”. É, poeticamente, por meio das asas e dos olhos do albatroz que o eu lírico e o leitor verão o que acontece no navio negreiro.

  • Segunda parte

Na segunda parte, o eu lírico vai refletir sobre a origem do navio e de seus marinheiros.

“Que importa do nauta o berço,

Donde é filho, qual seu lar?...

Ama a cadência do verso

Que lhe ensina o velho mar!

Canta! que a noite é divina!

Resvala o brigue à bolina

Como um golfinho veloz.

Presa ao mastro da mezena

Saudosa bandeira acena

Às vagas que deixa após.”

Na sequência, ele aponta as possíveis origens dos marinheiros: espanhóis, italianos, ingleses, franceses, helenos (gregos), encerrando assim essa parte: “...Nautas de todas as plagas!/ Vós sabeis achar nas vagas/ As melodias do céu...”.

  • Terceira parte

Na terceira parte, composta por uma só estrofe, o eu lírico ordena ao albatroz que desça até o navio:

“Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!

Desce mais, inda mais... não pode o olhar humano

Como o teu mergulhar no brigue voador.

Mas que vejo eu ali... que quadro de amarguras!

Que cena funeral!... Que tétricas figuras!...

Que cena infame e vil!... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!”

Dessa maneira, o eu lírico conclui a sua introdução. Tira o leitor de seu lugar de contemplação harmoniosa da natureza para fazer com que ele tenha contato com a situação oposta: a crueldade da escravidão.

“Navio negreiro”, obra do pintor alemão Rugendas.
“Navio negreiro”, obra do pintor alemão Rugendas.
  • Quarta parte

Na quarta parte, o eu lírico relata os sofrimentos das escravas e escravos transportados da África para o Brasil. A primeira estrofe, dessa quarta parte, é uma das mais conhecidas e comentadas pelos leitores de Castro Alves:

“Era um sonho dantesco... O tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho,

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar do açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...”

Essa “dança”, claro está, refere-se ao movimento que esses “homens negros” fazem ao serem açoitados.

“Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras, moças... mas nuas, espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs.”

Nessa segunda estrofe, da quarta parte, o eu lírico expõe o sofrimento das mulheres transportadas no navio. Devemos lembrar que, no século XIX, a valorização da mulher na sociedade estava relacionada com o seu papel de esposa e mãe, e havia forte preocupação em preservar a sua conduta moral. Assim, era valorizada a virgindade da mulher solteira, bem como a maternidade da mulher casada. Ao mostrar mães e jovens escravas em situação tão degradante, o eu lírico pretende provocar a indignação em seu leitor.

As estrofes e versos seguintes demonstram o sofrimento dos homens e mulheres escravizados, como: “Se o velho arqueja... se no chão resvala,/ Ouvem-se gritos... o chicote estala”; “A multidão faminta cambaleia,/ E chora e dança ali!”; “Um de raiva delira, outro enlouquece...”; “Qual um sonho dantesco as sombras voam.../ Gritos, ais, maldições, preces ressoam!”.

Acesse também: Diferenças entre escravidão indígena e escravidão africana

  • Quinta parte

Na quinta parte, o eu lírico mostra o seu horror diante do que vê: “Senhor Deus dos desgraçados!/ Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura... se é verdade/ Tanto horror perante os céus...”. E faz um questionamento: “Quem são estes desgraçados,/ Que não encontram em vós,/ Mais que o rir calmo da turba/ Que excita a fúria do algoz?”. Na sequência, ele invoca a musa: “Dize-o tu, severa musa,/ Musa libérrima, audaz!”.

Na mitologia grega, as musas eram divindades que inspiravam os poetas (artistas). Portanto, a obra de arte seria resultado do poder das musas, que usavam os artistas para dar vida às obras. Então, quando o eu lírico diz “Dize-o tu, severa musa”, ele está pedindo inspiração ou resposta para a sua pergunta.

A resposta da musa, por meio da escrita do poeta, vem a partir da terceira estrofe dessa quinta parte: “São os filhos do deserto/ Onde a terra esposa a luz”, ou seja, filhos do continente africano. O eu lírico então descreve esses homens e mulheres em sua pátria original: “guerreiros ousados”, “homens simples, fortes, bravos”, “crianças lindas”, “moças gentis”. Aponta ainda a sua situação presente: “míseros escravos”, “sem ar, sem luz, sem razão”, mulheres “desgraçadas”, “sedentas”, “alquebradas”, com “filhos e algemas nos braços” e “lágrimas e fel” na alma.

Na sequência, o eu lírico explicita a despedida dessas pessoas de sua terra natal: “...Adeus! ó choça do monte!.../ ...Adeus! palmeiras da fonte!.../ ...Adeus! amores... adeus!...”. E relata a travessia no deserto, após a captura:

“Depois o areal extenso...

Depois o oceano de pó...

Depois no horizonte imenso

Desertos... desertos só...

E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede,

E cai p’ra não mais s’erguer!...

Vaga um lugar na cadeia,

Mas o chacal sobre a areia

Acha um corpo que roer...”

Nas estrofes 7 e 8, da quinta parte, o eu lírico traz a oposição entre a vida livre dessas pessoas em sua terra de origem e a escravidão:

“Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d’amplidão...

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

 

Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cum’lo de maldade

Nem são livres p’ra... morrer...

Prende-os a mesma corrente

— Férrea, lúgubre serpente —

Nas roscas da escravidão.

E assim roubados à morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoite... Irrisão!...”

  • Sexta parte

Na sexta e última parte, o eu lírico faz uma crítica ao Brasil por permitir a escravidão. Assim, ele afirma: “E existe um povo que a bandeira empresta/ P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...”. E pergunta: “Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,/ Que impudente na gávea tripudia?!...”. No entanto, não obtém resposta e lamenta: “Silêncio!... Musa! chora, chora tanto/ Que o pavilhão se lave no teu pranto...”.

Na penúltima estrofe dessa última parte do poema, o eu lírico revela de quem é essa bandeira. Além disso, conclui que seria melhor que a bandeira (símbolo do Brasil) tivesse sido destruída em batalha do que servir de mortalha para o povo africano:

“Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra,

E as promessas divinas da esperança...

Tu, que da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança,

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...”

Castro Alves finalizou a escrita desse poema na cidade de São Paulo, no dia 18 de abril de 1868, dezoito anos depois de promulgada a Lei Eusébio de Queirós e vinte anos antes da abolição da escravatura.

Exemplos de poemas

O Poeta dos Escravos não escreveu apenas poesias de temática abolicionista, como podemos ver em seu poema a seguir

Mocidade e morte

Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n’amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
— Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas...

E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: — impossível!

Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
Avante! — brada-me o talento n’alma
E o eco ao longe me repete — avante! —
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.

E a mesma voz repete funerária: —
Teu Panteon — a pedra mortuária!

Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta —
Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.

Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.

E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo — que vaga sobre o chão da morte,
Morto — entre os vivos a vagar na terra.

Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito! —

E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita...
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo —
O vinho do viver ante mim passa...
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O ‘stilete de Deus quebra-me a taça.

É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.

Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória — nada, por amor — a campa.

Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!...

O poema Mocidade e morte traz dois aspectos que devem ser levados em conta: marcas da biografia do autor e a representação não idealizada da mulher. Sobre a questão biográfica, referimo-nos à tuberculose, doença que vitimou alguns jovens escritores românticos no século XIX; entre eles, Castro Alves. Em relação à menor idealização da mulher, isso é uma marca da terceira geração romântica, que, mais realista, passa a tratar a mulher amada de forma mais concreta e menos espiritual.

Capa do livro Espumas flutuantes, da editora L&PM. [2]
Capa do livro Espumas flutuantes, da editora L&PM. [2]

Já o poema Dedicatória reflete sobre os esforços de um livro para chegar a seus leitores e sobreviver ao tempo:

Dedicatória

A pomba d’aliança o voo espraia

Na superfície azul do mar imenso,

Rente... rente da espuma já desmaia

Medindo a curva do horizonte extenso...

Mas um disco se avista ao longe... A praia

Rasga nitente o nevoeiro denso!...

O pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!

Ninho amigo da pomba forasteira!...

 

Assim, meu pobre livro as asas larga

Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...

O mar atira-lhe a saliva amarga,

O céu lhe atira o temporal de inverno...

O triste verga à tão pesada carga!

Quem abre ao triste um coração paterno?...

É tão bom ter por árvore — uns carinhos!

É tão bom de uns afetos — fazer ninhos!

 

Pobre órfão! Vagando nos espaços

Embalde às solidões mandas um grito!

Que importa? De uma cruz ao longe os braços

Vejo abrirem-se ao mísero precito...

Os túmulos dos teus dão-te regaços!

Ama-te a sombra do salgueiro aflito...

Vai, pois, meu livro! e como louro agreste

Traz-me no bico um ramo de... cipreste!

Por fim, o poema O laço de fita, em que o eu lírico, por meio de uma metonímia, fala de uma mulher por quem ele se apaixona em uma festa.

O laço de fita

Não sabes, criança? ‘Stou louco de amores...

Prendi meus afetos, formosa Pepita.

Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!

Não rias, prendi-me

Num laço de fita.

 

Na selva sombria de tuas madeixas,

Nos negros cabelos da moça bonita,

Fingindo a serpente qu’enlaça a folhagem,

Formoso enroscava-se

O laço de fita.

 

Meu ser, que voava nas luzes da festa,

Qual pássaro bravo, que os ares agita,

Eu vi de repente cativo, submisso

Rolar prisioneiro

Num laço de fita.

 

E agora enleada na tênue cadeia

Debalde minh’alma se embate, se irrita...

O braço, que rompe cadeias de ferro,

Não quebra teus elos,

Ó laço de fita!

 

Meu Deus! As falenas têm asas de opala,

Os astros se libram na plaga infinita.

Os anjos repousam nas penas brilhantes...

Mas tu... tens por asas

Um laço de fita.

 

Há pouco voavas na célere valsa,

Na valsa que anseia, que estua e palpita.

Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...

Beijava-te apenas...

Teu laço de fita.

 

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos

N’alcova onde a vela ciosa... crepita,

Talvez da cadeia libertes as tranças

Mas eu... fico preso

No laço de fita.

 

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale

Abrirem-me a cova... formosa Pepita!

Ao menos arranca meus louros da fronte,

E dá-me por c’roa...

Teu laço de fita.

Créditos das imagens

[1] Panda Books (Reprodução)

[2] L&PM Editores (Reprodução)

Publicado por Warley Souza

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