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Passeata dos Cem Mil

A Passeata dos Cem Mil foi uma manifestação contra a Ditadura Civil-Militar ocorrida em 1968, no Rio de Janeiro. Participaram dela estudantes, intelectuais e celebridades.
Grande mobilização pela morte do estudante Edson Luís, a qual precedeu a Passeata dos Cem Mil.
Grande mobilização pela morte do estudante Edson Luís, a qual precedeu a Sexta-Feira Sangrenta e a Passeata dos Cem Mil.[1]

A Passeata dos Cem Mil foi uma das maiores manifestações contrárias à Ditadura Civil-Militar, e ocorreu no Rio de Janeiro em 26 de junho de 1968. Foi organizada pelo movimento estudantil para exigir o fim da violência de Estado, a volta da democracia e a libertação dos presos políticos.

Diversos setores da sociedade participaram da passeata, entre eles artistas, intelectuais e celebridades do período, que ajudaram na popularização e divulgação da passeata pela mídia. Entre as 14h e 17h de uma quarta-feira, a passeata percorreu as ruas do Rio de Janeiro e ocorreu sem atritos com a polícia.

Após a passeata, o governo passou a reprimir violentamente o movimento estudantil, prendendo a maioria dos seus líderes ainda em 1968. Além dos estudantes, o movimento operário também se fortaleceu no período e organizou greves como a de Osasco e a de Contagem. Preocupados com o crescimento das manifestações contrárias, os militares promulgaram, em dezembro daquele ano, o AI-5, iniciando os Anos de Chumbo, o período mais autoritário e repressivo da ditadura.

Leia também: Diretas Já — movimento popular que defendia o voto direto na eleição presidencial de 1985

Resumo sobre a Passeata dos Cem Mil

  • A Passeata dos Cem Mil ocorreu no Rio de Janeiro, em 26 de junho de 1968.
  • Ela foi organizada por estudantes e dela participaram diversos movimentos sociais e setores da sociedade civil.
  • Diversos artistas participaram da manifestação.
  • Uma grande força policial foi deslocada para acompanhar a passeata, não houve atos de violência nesse dia.
  • A passeata ganhou bastante espaço na televisão e nos jornais.
  • Após a passeata, o presidente Costa e Silva recebeu um grupo de manifestantes. Nenhuma de suas propostas foram aceitas.
  • A passeata fez com que o governo aumentasse a repressão ao movimento estudantil, quase extinguindo-o ainda em 1968.
  • Alguns estudantes, após o AI-5, aderiram à luta armada como estratégia de luta contra a ditadura.

O que foi a Passeata dos Cem Mil?

A Passeata dos Cem Mil foi uma grande manifestação realizada em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro. A passeata foi organizada pelo movimento estudantil em resposta a diversas violências praticados pelas forças militares contra estudantes e membros de outros movimentos sociais desde o início da ditadura, em 31 de março de 1964.

Participaram da passeata, além de estudantes, artistas, sacerdotes religiosos, intelectuais, políticos e diversos outros setores da sociedade civil. Apesar do grande número de policiais que acompanharam a marcha, ela aconteceu e foi encerrada de forma relativamente pacífica, mas preocupou os militares, que aprofundaram a violência e o autoritarismo da ditadura, iniciando os Anos de Chumbo.

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Contexto histórico da Passeata dos Cem Mil

Na década de 1960, o Brasil enfrentou uma grave crise política, culminando num golpe de Estado que levou ao poder militares brasileiros, que, a partir de 31 de março de 1964, estabeleceram uma ditadura em nosso país. O primeiro dos cinco presidentes militares que governaram o Brasil por quase 21 anos foi Humberto Castelo Branco, considerado um militar da chamada ala moderada das Forças Armadas.

Em 27 de outubro de 1965,|1| Castelo Branco decretou o AI-2, ato institucional que finalizou eleições diretas para presidente, estabeleceu o bipartidarismo e deu direitos ao presidente de cassar mandatos nos Três Poderes, inclusive os eletivos. Castelo Branco também proibiu greves.

Em 15 de março de 1967, assumiu o poder o general Costa e Silva, considerado um membro da linha dura. Nesse momento, diversos movimentos passaram a organizar manifestações contra o governo militar, os principais deles foram os movimentos estudantil e operário. O ano de 1968 não ficou conhecido como “o ano que nunca terminou” por nada. Esses diversos movimentos contestatórios ocorreram em todo o mundo.

Em Praga, na Checoslováquia, a juventude foi às ruas contra a ditadura comunista e por democracia. Nos Estados Unidos, a luta foi contra a Guerra do Vietnã, pelos Direitos Civis e por mudanças culturais, era o auge do movimento hippie. Na França, no México, na Itália, na Alemanha e em diversos outros países, ocorreram massivas manifestações, principalmente da juventude. E no Brasil não foi diferente, por aqui a luta dos estudantes foi contra a ditadura militar e em defesa da democracia.

→ A Sexta-Feira Sangrenta

Em 28 de março de 1968, estudantes organizaram um ato contra o aumento da comida no Calabouço, um restaurante estudantil criado pela UNE na década de 1950, na então capital do país, o Rio de Janeiro, e que posteriormente passou para a administração do Ministério da Educação.

Durante o ato, policiais militares invadiram o restaurante, iniciando um ataque que terminou com a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, natural do Pará, com um tiro no peito. O enterro de Edson Luís atraiu uma multidão e a fotografia de seu corpo foi publicada em diversos jornais do país, o que irritou os militares.

Estudantes cercam o corpo de Edson Luís, morto alguns meses antes da Passeata dos Cem Mil.
Estudantes cercam o corpo de Edson Luís em março 28 de março de1968.[2]

Em 18 de junho de 1968, o líder estudantil Jean Marc foi preso com outros estudantes durante uma manifestação. Uma manifestação pela libertação deles foi marcada pelos estudantes, e ocorreu, dois dias depois, na frente do edifício do Jornal do Brasil, na época um dos mais vendidos no país.

Em meio ao ato, um conflito entre estudantes e policiais se iniciou, numa “batalha campal”, segundo palavras do Jornal do Brasil do dia seguinte, na qual oficialmente morreram três pessoas, dois estudantes e um policial. Ainda hoje não se sabe o verdadeiro número de mortos da Sexta-Feira Sangrenta, forma como o fato foi nomeado.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas apontou 28 mortos, outra realizada pela Comissão da Verdade provou a morte de três estudantes, sendo duas delas dias depois do conflito. A Comissão da Verdade fez ressalvas nos dados divulgados, afirmando que a pesquisa encontrou poucas fontes, uma vez que relatórios médicos e laudos do IML foram falsificados e outros simplesmente não foram encontrados, não foram produzidos ou se perderam com o tempo.

Em resposta às violências na Sexta-Feira Sangrenta, os estudantes convocaram um novo ato, e, dessa vez, foram convidados todos os setores da sociedade contrários à ditadura. Esse ato se tornou a Passeata dos Cem Mil.

Veja também: Milagre econômico brasileiro — período de alto desenvolvimento econômico que ocorreu durante a Ditadura Militar

Como foi a Passeata dos Cem Mil?

Na manhã de 26 de junho de 1968, uma quarta-feira, os primeiros manifestantes começaram a chegar à Praça do Passeio Público, no centro do Rio de Janeiro, e os discursos foram inicialmente feitos em frente ao prédio da Mesbla. Por volta do meio-dia, mais de 50 mil pessoas estavam presentes, e, nas próximas horas, o número dobrou.

Além dos estudantes, estavam presentes no ato diversos intelectuais, membros da Igreja Católica, políticos de diversas correntes, artistas, membros do movimento operário e muitas pessoas descontentes com os rumos da ditadura e de sua violência. As ruas estavam cheias de policiais, aproximadamente 10 mil foram mobilizados para acompanhar a manifestação.

Por volta das 14h, a passeata se iniciou, marchando pelas ruas do centro do Rio de Janeiro. Muitos manifestantes levavam faixas com frases como “Abaixo a ditadura”, “Povo no poder”, “O povo organizado derruba a ditadura”, entre outras. Durante a passeata, alguns estudantes utilizaram sprays para pichar frases contra a ditadura pelas ruas do Rio, muitas delas imortalizadas nas fotografias de Evandro Teixeira, presente no ato.

Uma hora após o início da passeata, na frente da Igreja da Candelária, o líder estudantil Vladimir Palmeiras fez um discurso pela democracia e contra a ditadura, em fotografia que abre este artigo. A passeata continuou até por volta das 17h, encerrando-se em frente ao Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Apesar do grande número de policiais, a passeata ocorreu sem incidentes.

O que ocorreu após a Passeata dos Cem Mil?

A mídia nacional deu grande destaque para a Passeata dos Cem Mil, em sua maioria com matérias favoráveis aos manifestantes. O jornal Última Hora destacou “a capacidade da própria massa popular de manter a ordem, na ausência de uma polícia que até então só fizera perturbá-la”.|2|

Costa e Silva, então presidente da ditadura, recebeu uma comissão de estudantes no seu gabinete em Brasília e ouviu suas reivindicações, entre elas a libertação dos estudantes presos, o fim da censura às artes, a reabertura do restaurante Calabouço e o fim da violência policiais.

Costa e Silva prometeu analisar as exigências, mas acabou não realizando novas reuniões e não atendendo a nenhuma reivindicação, pelo contrário, ele aprofundou a repressão, passou a prender estudantes, fechar grêmios, e novas leis repressivas foram aprovadas, entre elas o pior dos atos institucionais, o AI-5.

Famosos na Passeata dos Cem Mil

Chico Buarque e outros artistas em possível foto tirada na Passeata dos Cem Mil.
Diversos artistas participaram da Passeata dos Cem Mil em junho de 1968. Alguns foram vistos em outros protestos ocorridos ao longo do mesmo ano.[3]

Participaram da Passeata dos Cem mil muitos artistas famosos na década de 1960, entre eles estavam:

  • Cacá Diegues (cineasta);
  • Caetano Veloso (cantor e compositor);
  • Chico Buarque de Hollanda (cantor e compositor);
  • Clarice Lispector (escritora);
  • Edu Lobo (cantor e compositor);
  • Eva Wilma (atriz);
  • Fernando Gabeira (político);
  • Gilberto Gil (cantor e compositor);
  • Grande Otelo (ator);
  • Hélio Peregrino (psicanalista);
  • José Dirceu (líder estudantil);
  • Marieta Severo (atriz);
  • Milton Nascimento (cantor e compositor);
  • Nanna Caymmi (cantora);
  • Nara Leão (cantora);
  • Norma Bengell (atriz e cineasta);
  • Orestes Quércia (político);
  • Paulo Autran (ator);
  • Tancredo Neves (político);
  • Tônia Carrero (atriz).

Saiba mais: Tropicalismo — movimento cultural brasileiro que enfrentou perseguições e censura do regime militar

Principais movimentos contra a Ditadura Militar

Durante os 21 anos de repressão, diversos indivíduos, grupos e movimentos sociais lutaram contra a ditadura das mais variadas formas possíveis. A seguir, apresentaremos os principais grupos e estratégias utilizadas nessa luta.

→ Luta armada contra a ditadura

Após a promulgação do AI-5, diversos grupos políticos partiram para a luta armada. Tivemos dois tipos de luta armada no período, o rural e o urbano. Na primeira categoria, destacaram-se as Guerrilhas do Vale do Ribeira, lideradas pelo ex-campeão do Exército Carlos Lamarca, e a Guerrilha do Araguaia, organizada pelo Partido Comunista do Brasil, o PC do B.

Lamarca, após cerco realizado pelo Exército no Vale do Ribeira, fugiu com alguns companheiros e tentou organizar uma nova guerrilha no sertão da Bahia, onde acabou assassinado, por forças militares e policiais, com Zequinha Barreto, ex-líder da Greve de Osasco que morava na região.

Na guerrilha urbana se destacaram vários grupos, entre eles a ALN, a Aliança Nacional Libertadora, liderada por Carlos Marighella, ex-deputado federal. Em 4 de novembro de 1969, Marighella foi morto por policiais de São Paulo em uma emboscada.

→ Movimento estudantil

Estudantes carregam ferido em um dos conflitos que antecedeu a Passeata dos Cem Mil.
Estudantes carregam ferido durante a Sexta-Feira Sangrenta, em junho de 1968.[4]

Houve muita importância na resistência à ditadura nos seus anos iniciais. Após a Passeata dos Cem Mil, os estudantes passaram a ser violentamente reprimidos. O maior ataque feito ao movimento estudantil ocorreu em 12 de outubro de 1968, quando as lideranças da UNE se reuniram clandestinamente em um sítio em Ibiúna, interior de São Paulo. O local foi cercado por forças policiais, e mais de 800 estudantes foram presos, acabando com a liderança e a organização do movimento estudantil.

→ A cultura contra a ditadura

Diversos artistas se engajaram na luta contra a ditadura e, direta ou indiretamente, publicaram protestos contra o governo. Ficaram famosas na época as músicas de Chico Buarque, de Caetano Veloso, de Gilberto Gil, de Elis Regina e de diversos outros cantores e cantoras. Também se destacaram na resistência os cartunistas Henfil e Ziraldo; o diretor de teatro Zé Celso, com seu Teatro Oficina; Cacá Diegues e Glauber Rocha, no cinema, entre tantos.

→ Luta política contra a ditadura

Diversos políticos ousaram externar publicamente críticas à ditadura, muitos deles pagaram essa atitude com a vida, como Rubens Paiva. Na década de 1980, os políticos de esquerda foram fundamentais na aprovação de leis que enfraqueceram a ditadura e na eleição de Tancredo Neves para presidente em 1985.

→ Luta jurídica contra a ditadura

Muitos juristas, juízes, promotores e membros do judiciário também lutaram contra a ditadura. Um exemplo ilustrativo dessa luta foi Sobral Pinto, um ferrenho defensor dos Direitos Humanos durante os Anos de Chumbo, conseguindo salvar dos porões da ditadura diversos presos. Suas denúncias ganharam voz no exterior.

Notas

|1| BRASIL. Ato Institucional de 27 de outubro de 1965, o AI-2. Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-02-65.htm

|2| FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Enciclopédia. Verbete: Passeata dos Cem Mil. Disponível em: https://atlas.fgv.br/verbete/6289

Créditos das imagens

[1] Acervo Arquivo Nacional

[2] Acervo Arquivo Nacional

[3] Wikimedia Commons

[4] Acervo Arquivo Nacional

Fontes

BRASIL. Ato Institucional de 27 de outubro de 1965, o AI-2. Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-02-65.htm

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Enciclopédia. Verbete: Passeata dos Cem Mil. Disponível em: https://atlas.fgv.br/verbete/6289

PEREIRA, Antony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, Chile e Argentina. Editora Paz e Terra, São Paulo, 2012.

VALLE, Maria Ribeiro do. 1968: o diálogo é a violência – Movimento estudantil e ditadura no Brasil. Editora Unicamp, Campinas, 2008.

Publicado por Jair Messias Ferreira Junior

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