Dom Casmurro
Dom Casmurro, a obra mais conhecida do escritor Machado de Assis, conta a história de Bentinho e Capitu, que, apaixonados na adolescência, têm que enfrentar um obstáculo à realização de seus anseios amorosos, pois a mãe de Bentinho, D. Glória, fez uma promessa de que seu filho seria padre. Assim, no seminário, Bentinho conhece Escobar, que se torna seu melhor amigo e encontra uma solução para o problema.
O livro, de 1899, é um romance psicológico do realismo brasileiro, com narrador em primeira pessoa. A trama atinge seu ponto alto quando, finalmente casado com Capitu, Bentinho começa a suspeitar que ela teve um relacionamento extraconjugal com Escobar. Desse modo, a obra, de caráter antirromântico, apresenta, de forma irônica, uma crítica à burguesia carioca do século XIX, de forma a mostrar a vida como ela é, sem retoques.
Leia também: Carolina Maria de Jesus – uma das primeiras autoras negras publicadas no Brasil
Análise da obra Dom Casmurro
→ Resumo de Dom Casmurro
A obra começa com o narrador já velho, em um trem da Central. Ali, ele conhece um jovem poeta, que acaba recitando alguns versos. Mas pelo fato de o narrador fechar os olhos “três ou quatro vezes”, o rapaz se ofende e lhe dá o apelido de Dom Casmurro. O narrador, então, decide dar esse título (a princípio, provisório) para o seu livro:
“Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo”.
Assim, com o objetivo de “atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”, Bentinho, o narrador, conta a sua história. Volta aos seus quinze anos, quando é vizinho de Capitu, uma menina de catorze anos. Ao perceber a proximidade entre os adolescentes, José Dias, um agregado da família, sugere a D. Glória, mãe de Bentinho, que já é hora de enviar o rapaz para o seminário, uma vez que a mãe do adolescente fez a promessa de que ele seria padre.
José Dias não gosta do pai de Capitu, o Pádua, empregado de uma repartição pública. Aliás, foi o agregado que lhe deu o apelido de Tartaruga, pois ele era “um homem baixo e grosso, pernas e braços curtos, costas abauladas”. A falta de simpatia pelo pai se estende também para a filha, que, segundo José Dias, tem olhos “de cigana oblíqua e dissimulada”. Mas Bentinho se apaixona por Capitu, como previa o agregado. E o jovem casal começa a buscar uma maneira de não cumprir a promessa de D. Glória.
Porém, D. Glória faz com que o filho cumpra a promessa, e ele vai para o seminário. Ali, conhece Ezequiel de Sousa Escobar, que se torna o seu melhor amigo e confidente. É Escobar quem tem a solução para o problema de Bentinho: em vez do filho, D. Glória deve fazer padre “algum mocinho órfão”. Dessa maneira, Bentinho, finalmente, consegue sair do seminário.
Bentinho vai estudar Direito e se forma bacharel aos 22 anos. Então, ele se casa com Capitu. O início do casamento é só felicidade. No entanto, o casal não consegue ter filhos, e Bentinho quer muito ser pai. Escobar, casado com Sancha, já tem uma filha. Finalmente Capitu engravida e dá à luz Ezequiel, assim batizado em homenagem ao melhor amigo de seu pai.
O menino Ezequiel tem o hábito, a habilidade ou o “defeitozinho”, segundo seu pai, de imitar as pessoas, imita “os gestos, os modos, as atitudes; imita prima Justina, imita José Dias; já lhe achei até um jeito dos pés de Escobar e dos olhos...”. Contudo, a felicidade conjugal termina quando Escobar morre afogado. Em seu enterro, Bentinho começa a suspeitar de uma traição:
“Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.”
Bentinho começa a ver semelhanças entre seu filho e o defunto Escobar; são semelhantes os olhos, as feições, o rosto, o corpo inteiro, segundo o narrador, de forma que “Escobar vinha assim surgindo da sepultura, [...] para se sentar comigo à mesa, receber-me na escada, beijar-me no gabinete de manhã, ou pedir-me à noite a bênção do costume”.
Bentinho, então, pensa em matar Capitu e seu filho. Entretanto, decide cometer suicídio. Coloca veneno no próprio café, mas o menino Ezequiel entra no gabinete. Então, Bentinho tem o impulso de fazer o filho beber o café envenenado, mas, antes de lhe dar o café, desiste. E, por fim, joga na cara de Capitu que o filho não é dele. Ela nega e, diante da insinuação de que teve um caso com Escobar, ironiza: “— Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!”.
O casamento está acabado, mas é século XIX, e eles precisam manter as aparências. A solução encontrada por Bentinho é viajar para a Europa com esposa e filho, mas voltar sozinho:
“Ao cabo de alguns meses, Capitu começara a escrever-me cartas, a que respondi com brevidade e sequidão. As dela eram submissas, sem ódio, acaso afetuosas, e para o fim saudosas; pedia-me que a fosse ver. Embarquei um ano depois, mas não a procurei, e repeti a viagem com o mesmo resultado. Na volta, os que se lembravam dela, queriam notícias, e eu dava-lhes, como se acabasse de viver com ela; naturalmente as viagens eram feitas com o intuito de simular isto mesmo, e enganar a opinião. Um dia, finalmente...”
Assim, grande parte da obra aparenta ser um romance romântico, isto é, apresenta um casal apaixonado, um obstáculo a vencer e a realização amorosa, simbolizada pelo casamento. No entanto, o narrador continua a história e mostra a realidade do casamento burguês, a partir da narrativa do ciumento Bentinho, em quem a leitora e o leitor devem ou não confiar.
Veja também: Raul Pompeia – grande nome do naturalismo brasileiro
→ Personagens
-
Bento Santiago ou Bentinho: narrador da história.
-
Capitolina ou Capitu: esposa de Bentinho.
-
José Dias: um agregado da família de Bentinho.
-
D. Maria da Glória Fernandes Santiago ou D. Glória: mãe de Bentinho.
-
Tio Cosme: irmão de D. Glória.
-
Pádua: pai de Capitu.
-
D. Fortunata: esposa de Pádua e mãe de Capitu.
-
Prima Justina: prima de D. Glória.
-
Ezequiel de Sousa Escobar ou Escobar: melhor amigo de Bentinho.
-
Sancha: esposa de Escobar.
-
Ezequiel A. de Santiago ou Ezequiel: filho de Bentinho e Capitu.
-
Capituzinha: filha de Escobar e Sancha.
→ Tempo
A história se passa no século XIX, e o narrador aponta somente estas seguintes datas:
-
1857 — Bentinho tem quinze anos;
-
1865 — casamento de Bentinho e Capitu;
-
1871 — morte de Escobar.
→ Espaço
O lugar da narrativa é a cidade do Rio de Janeiro.
-
Rua de Matacavalos, no centro da cidade, onde fica a casa da família de Bentinho.
-
Bairro da Tijuca, onde Bentinho e Capitu passam a lua de mel.
-
Bairro da Glória, onde o casal Bentinho e Capitu moram.
-
Bairro de Andaraí, no qual Escobar e Sancha moram.
-
Engenho Novo, bairro em que Bentinho passa a velhice.
Leia também: José de Alencar – maior nome da prosa do romantismo brasileiro
Características de Dom Casmurro
-
Estilo literário: realismo.
-
Gênero literário: narrativo.
-
Tipo de narrativa: romance.
-
Tipo de romance:
-
monofônico: foco narrativo sobre uma personagem;
-
psicológico: centrado nos pensamentos do narrador, no seu mundo íntimo, em seus sentimentos e memórias; e
-
aberto: nem tudo é expresso, a leitora e o leitor devem preencher as lacunas.
-
Tipo de narrador: narrador personagem, ou seja, em primeira pessoa.
-
Tipo de personagens: redondas, esféricas ou complexas.
-
Tempo da narrativa: sobressai o cronológico.
-
Temática: adultério.
-
Número de capítulos: 148.
Adaptações de Dom Casmurro
-
Capitu (1968) — longa-metragem de Paulo César Saraceni (1932-2012).
-
Dom Casmurro (1992) — ópera de Orlando Codá (1949-1996) e Ronaldo Miranda.
-
Capitu — canção de Luiz Tatit.
-
Amor de Capitu (1998) — romance de Fernando Sabino (1923-2004).
-
Capitu (1999) — peça teatral de Marcus Vinícius Faustini.
-
Criador e criatura: o encontro de Machado e Capitu (2002) — peça teatral de Flávio Aguiar e Ariclê Perez (1943-2006), com direção de Bibi Ferreira (1922-2019).
-
Dom (2003) — longa-metragem de Moacyr Góes.
-
Capitu (2008) — minissérie de Luiz Fernando Carvalho.
-
Dom Casmurro (2012) — história em quadrinhos de Felipe Greco e Mario Cau.
-
As sombras de Dom Casmurro (2016) — peça teatral de Toni Brandão.
Machado de Assis
Machado de Assis (ou Joaquim Maria Machado de Assis) nasceu em 21 de junho de 1839 e faleceu em 29 de setembro de 1908. O escritor é o principal representante do realismo brasileiro, além de ser um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Nasceu no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, e era filho de um pintor de paredes negro e de uma lavadeira portuguesa branca.
Frequentou a escola regular por pouco tempo e não ingressou em uma universidade. Autodidata, tornou-se um dos maiores escritores da literatura brasileira e o principal escritor negro brasileiro do século XIX, além de trabalhar no funcionalismo público, mas, antes, trabalhou como tipógrafo e revisor de textos. Além disso, escrevia para os jornais da época e publicou romances, contos, crônicas, poesias e também textos teatrais.
O autor iniciou sua carreira literária como escritor romântico, fase em que estão presentes obras como A mão e a luva (1874) e Helena (1876). Mas, em 1881, inaugurou o realismo no Brasil, com a publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas. Assim, à sua fase realista também pertencem os romances Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Para saber mais sobre esse importante autor da literatura brasileira, leia: Machado de Assis.
Estilo literário de Machado de Assis
A obra Dom Casmurro pertence à fase realista de Machado de Assis. Portanto, apresenta as seguintes características:
-
antirromantismo;
-
objetividade;
-
análise psicológica;
-
crítica à burguesia;
-
valorização do presente;
-
fluxo de consciência;
-
ausência de idealizações;
-
racionalismo;
-
ironia;
-
crítica social.
Crédito da imagem
[1] L&PM Editores (reprodução)