Liev Tolstói
O russo Liev Tolstói, um dos escritores mais importantes da literatura ocidental, foi autor de clássicos traduzidos para diversos idiomas, como as obras:
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Guerra e paz
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Ana Kanênina
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A morte de Ivan Ilitch
Por meio de suas narrativas, distribuídas em variados gêneros, como romance, conto, novela, o leitor encontra não só um painel da sociedade russa do século XIX, em seus aspectos político, social, cultural e ideológico, mas também os conflitos psicológicos de seus personagens, muitas vezes desencadeados pelas pressões sociais que recaem sobre eles.
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Biografia de Liev Tolstói
Liev Tolstói (ou Leon Tolstói) nasceu em 28 de agosto de 1828, em Iásnaia Poliana, província russa de Tula. Seu pai, já viúvo, morreu em 1837, deixando Tostói e seus quatro filhos aos cuidados de uma tia. Em 1841 essa tia, que então cuidava de Tostói e seus irmãos, veio a óbito, sendo as crianças entregues aos cuidados de uma outra irmã de seu falecido pai, a qual morava na cidade de Kazan.
Mulher de temperamento extremamente forte, decide fazer do jovem Tostói um militar do exército. Em 1844, aos 16 anos, Liev inicia os estudos de Línguas Orientais, na Universidade de Kazan. Entretanto, em razão de sua inabilidade nesse aristocrático curso, transferiu-se para o curso de Direito, mas foi reprovado nos primeiros exames, o que lhe gerou desilusão.
Cansado de viver com sua tia em Kazan, retornou, em 1847, à cidade de Iásnaia Poliana. Meses depois se mudou para Moscou. Não satisfeito com essa cidade, em 1849, aos 21 anos de idade, mudou-se para São Petersburgo, dando prosseguimento ao curso de Direito interrompido em Kazan.
Foi, ao longo da graduação, um aluno boêmio. Descontente com São Petersburgo, retornou à sua terra natal, Iásnaia Poliana. Nesse contexto, interessou-se por ler a Bíblia e as obras do filósofo Jean-Jacques Rosseau. Os relatos de guerra de seu irmão Nicolau, que havia voltado recentemente de um combate no Cáucaso, muito lhe impressionaram, despertando-lhe o desejo de também partir para a luta armada. Assim, em 1851, participou da Guerra no Cáucaso, como seu irmão.
Em 1852, após prestar exame, conseguiu ingressar, oficialmente, no exército russo. Nesse contexto, no momento em que exercia suas atividades militares, publicou, na revista O Contemporâneo, de São Petersburgo, um relato autobiográfico sobre sua infância, intitulado “A história da minha infância”.
Em 1854, com a eclosão da Guerra da Criméia, Tolstói foi designado para lutar em Sebastópol, onde escreveu contos que comoveram a rainha Maria Alexándrovna. Ao término da guerra, retornou a São Petersburgo, onde foi recebido como herói. Em 1857, viajou para Alemanha, França e Itália. Voltou dessas viagens com vontade de contribuir para o desenvolvimento social de seu povo, principalmente em relação ao combate do analfabetismo.
Assim, em 1859, aos 31 anos de idade, fundou em sua casa uma escola voltada à alfabetização de crianças e adultos. Aos 34 anos, exerceu a função de juiz de paz. Em 1862, casou-se com Sófia Andriêievna. As dificuldades financeiras fizeram com que Tolstói se dedicasse mais à literatura. Imbuído, então, de melhorar sua condição financeira, decidiu escrever uma obra grandiosa. Nasceu, nesse sentido, em 1865, o seu mais famoso romance: Guerra e paz.
Antes de sua conclusão, porém, essa obra foi sendo lançada aos poucos, em capítulos, no periódico Mensageiro Russo. Após o sucesso de Guerra e paz, publicou, entre 1875 e 1877, também em periódico, o clássico Ana Karênina. Em 1886, aos 58 anos, escreveu a novela A morte de Ivan Ilitch.
Muito inquieto espiritualmente, Tolstói buscou a paz interna na religião ortodoxa, vindo a conviver com monges, ocasião em que estudou os evangelhos. Publicou, em 1899, aos 71 anos de idade, o romance Ressurreição, narrativa em que a protagonista, uma camponesa, torna-se prostituta após ser abandonada pelo filho da patroa. A Igreja Ortodoxa, que vinha percebendo a influência da literatura e das inquietações espirituais de Tolstói, chocada com o enredo de Ressurreição, decidiu, em 1901, excomungá-lo.
Cansado e enfermo, aos 80 anos, Tolstói redigiu um artigo intitulado “Não posso calar”, o qual, apesar da censura imperial, foi impresso em jornais estrangeiros, conscientizando a Europa das mazelas vivenciadas pelos russos.
Pressionado por sua esposa para se mudarem para a Corte, o escritor fugiu de casa, acompanhado unicamente por sua filha e por um amigo médico. Muito debilitado, sua fuga rumo ao sul do país é interrompida na aldeia de Astápovo, onde permaneceu até a manhã seguinte de sua chegada, momento em que faleceu, em 7 de novembro de 1910. Dois dias depois, foi sepultado em um bosque na cidade em que nasceu, Iásnaia Poliana.
Estilo literário de Liev Tolstói
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Narrativas com pano de fundo retratando a história da Rússia;
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Personagens retratados em seus conflitos psicológicos, muitas vezes desencadeados por pressões sociais;
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Crítica da hipocrisia da sociedade russa do século XIX;
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Crítica dos valores conservadores das relações sociais pautadas na aparência e no dinheiro.
Principais obras de Liev Tolstói
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Felicidade conjugal (1859)
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Os cossacos (1863)
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Guerra e paz (1869)
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Anna Karênina (1877)
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A morte de Ivan Ilitch (1886)
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Ressurreição (1899)
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Guerra e paz
Publicada 1869, Guerra e paz tem como contexto histórico a resistência russa às invasões napoleônicas do início do século XIX. A narrativa apresenta ao leitor a trajetória de cinco famílias aristocráticas da Rússia, no período de 1805 a 1820, as quais têm sua vida impactada com o avanço brutal das tropas napoleônicas.
Têm destaque no enredo:
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os irmãos Nikolai e Natacha Rostóv;
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o príncipe Andrei Bolkónski;
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Pierre Bezúkhov, filho ilegítimo de um conde.
Esse último personagem vive em uma constante busca espiritual, o que o aproxima da própria vida de Tolstói, escritor muito inquieto espiritualmente.
O cotidiano descrito na obra, que engloba cenas de batalha, bailes da alta sociedade e intrigas, representa um importante retrato da Rússia após a invasão de Napoleão, em 1812. Além do realismo com que o contexto histórico é narrado, a dimensão psicológica dos personagens de Guerra e paz faz dessa obra um clássico atemporal. Leia um trecho:
No meio da conversa sobre as atividades políticas, Anna Pávlovna exaltou-se. — Ah, nem me fale da Áustria! Talvez eu não entenda nada, mas a Áustria jamais quis e não quer a guerra. Ela nos atraiçoa. A Rússia sozinha deve ser a salvadora da Europa. Nosso benfeitor sabe da sua elevada missão e será fiel a ela. É a única coisa em que acredito. Nosso bondoso e admirável soberano desempenha um papel colossal no mundo e ele é tão virtuoso e bom que Deus não vai abandoná-lo e ele há de cumprir a sua missão de esmagar a hidra da revolução, que agora está ainda mais horrenda na pessoa desse assassino e celerado. Só nós devemos redimir o sangue dos justos… Em quem vamos depositar esperanças, pergunto ao senhor… A Inglaterra, com seu espírito comercial, não compreende e não consegue compreender toda a estatura do espírito do imperador Alexandre. Ela negou-se a evacuar Malta. Ela quer ver, procura uma intenção oculta em nossas ações. O que eles disseram a Novossíltsev?… Nada. Não compreendem, não conseguem compreender a abnegação do nosso imperador, que nada quer para si e quer tudo pelo bem do mundo. E o que eles prometeram? Nada. E mesmo o que prometeram não vai se realizar! A Prússia já declarou que Bonaparte é invencível e toda a Europa nada pode contra ele… E eu não creio em nenhuma palavra nem de Hardenberg, nem de Haugwitz. Cette fameuse neutralité prussienne, ce n’est qu’un piège. Creio no único Deus e no destino elevado do nosso querido imperador. Ele salvará a Europa!… — Parou de repente, com um sorriso de zombaria do seu ardor. (TOLSTÓI, Liev. Guerra e paz. Companhia das Letras. 2017, p. 16)
Como se observa nesse trecho inicial do romance Guerra e paz, Liev Tolstói faz referências a fatos históricos que compõem o conflito causado pela invasão da tropa de Napoleão na Rússia por meio da fala de seus personagens. Na cena em questão, transcorrida em um salão da nobreza, a personagem Anna Pávlovna, dama de honra e favorita da imperatriz Maria Fiódorovna, expõe o que configurava o pensamento russo da época: a crença da supremacia russa.
Anna Karênina
Publicado de 1875 a 1877, em folhetins do jornal Mensageiro Russo, Anna Karênina tem como enredo a história de um caso de adultério: a história de amor vivida pela protagonista Anna Karênina, em pleno contexto conservador da Rússia czarista. Anna, que é casada, tem um conturbado relacionamento amoroso com o oficial Vronsky, que a ilude com a promessa de que se casaria com ela assim que se divorciasse do seu esposo, Alexey Karenin, um alto servidor público. Contudo, Anna não está disposta a enfrentar as pressões da sociedade russa.
Em determinado ponto da narrativa, ela e Vronsky fugem para a Itália, mas acabam enfrentando dificuldades, nesse país estrangeiro, em fazer amigos. De volta à Rússia, Anna se torna cada vez mais ansiosa e isolada da vida social, enquanto seu amante mantém uma vida social relativamente normal. Sentindo-se cada vez mais só e desconfiada de que está sendo traída por Vronsky, Anna perde o controle e se mata, cena trágica que constitui um dos momentos mais famosos da narrativa de Tolstói. Leia o famoso início do romance Anna Karênina:
Capítulo I
Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são infelizes cada uma a sua maneira.
Havia grande confusão na casa dos Oblonski. A esposa acabara de saber a respeito das relações do marido com a preceptora francesa e comunicara-lhe que não podiam continuar vivendo juntos. Durava já três dias a situação, para tormento não só do casal mas também dos demais membros da família e da criadagem. Todos na casa se davam conta de que não havia mais razão para manter aquele convívio, sentindo que as pessoas que por acaso se encontrassem em uma estalagem talvez tivessem mais afinidades entre si. Ela, a esposa, não saía dos seus aposentos. Há três dias que o marido não parava em casa. As crianças corriam de um lado ao outro, como que perdidas. A preceptora inglesa indispusera-se com a governanta e escrevera a uma amiga pedindo que lhe arranjasse outra colocação. Na véspera, o cozinheiro abandonara a casa à beira do jantar. O cocheiro e a copeira tinham pedido que lhes fizessem as contas.
(TOLSTÓI, Liev. Anna Karênina. Trad. Mirtes Ugeda. Nova Cultural, 2003. p. 9.)
Nesse trecho inicial de Anna Karênina, referenciado como um dos mais famosos inícios de livro do mundo por conter a frase “Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são infelizes cada uma a sua maneira”, tem-se a narração do conturbado ambiente da família do príncipe Stepan Arkadievich Oblonsky, irmão da protagonista Anna Karênina. Essa cena de briga conjugal é um prenúncio do que será o grande conflito do romance: a infidelidade de Anna no ceio de uma sociedade extremamente conservadora.
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Frases de Liev Tolstói
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“A arte é um dos meios que unem os homens.”
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“Não é possível ser bom pela metade.”
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“O homem não tem poder sobre nada enquanto tem medo da morte. E quem não tem medo da morte possui tudo.”
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“É o destino imutável de todos os atores ativos que, quanto mais altamente colocados estiverem na hierarquia humana, menos livres serão.”
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“Não há grandeza quando não há simplicidade.”
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“O amor começa quando uma pessoa se sente só e termina quando uma pessoa deseja estar só.”
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“Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são infelizes cada uma a sua maneira.”
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“O poder neste mundo é um capital precioso que é preciso saber poupar.”
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“O segredo da felicidade não é fazer sempre o que se quer, mas querer sempre o que se faz.”
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