Fator de Van’t Hoff
Antes de explicarmos o que é o fator de Van't Hoff (i), vamos primeiro dar uma breve contextualizada no conteúdo para entendermos a necessidade dessa grandeza e onde ela é aplicada.
As propriedades coligativas são propriedades que se alteram quando adicionamos um soluto não volátil a um solvente. Elas não dependem da natureza das substâncias, mas somente da quantidade de partículas no meio.
Essas quatro propriedades são: tonoscopia (quando é adicionado o soluto não volátil ao solvente, diminui-se a pressão máxima de vapor do líquido), ebulioscopia (aumenta-se o ponto de ebulição), crioscopia (diminui-se o ponto de fusão) e osmoscopia (ocorre a transferência do solvente de uma solução mais diluída para uma mais concentrada). As variações dessas propriedades podem ser calculadas por meio de fórmulas matemáticas simples.
Conforme mostrado no texto Lei de Raoult, o físico e químico francês François Marie Raoult (1930-1901) mostrou que o abaixamento absoluto da pressão de vapor (tonoscopia) pode ser calculado por meio da seguinte fórmula:
Psolução = xsolvente . Psolvente puro
ou
__Psolução = xsolvente
Psolvente puro
em que:
Psolução: pressão máxima de vapor da solução final;
xsolvente: fração molar do solvente;
Psolvente puro: pressão máxima de vapor do solvente puro no início.
Outra forma de expressar essa fórmula pode ser assim:
__Psolução = Kt . W
Psolvente puro
Sendo:
Kt = constante tonoscópica;
W = molalidade (massa molecular do solvente / 1000). No caso de soluções aquosas diluídas, é igual à molaridade.
Assim, essa mesma fórmula pode ser usada no caso da ebulioscopia e da criscopia para determinar as variações dos pontos de ebulição e de fusão, respectivamente:
te = Ke . W e tf = Kf . W
No entanto, essas fórmulas apenas podem ser aplicadas nos casos envolvendo soluções moleculares, isto é, soluções em que ocorreu a dissolução das moléculas do soluto, como ocorre, por exemplo, com o açúcar (sacarose – C6H12O6) quando dissolvido em água. Nesse caso, o número de moléculas colocadas na água é exatamente igual ao número de moléculas dissolvidas.
Mas isso não acontece quando trabalhamos com soluções iônicas, que são aquelas que possuem íons (espécies químicas carregadas eletricamente) provenientes da ionização ou da dissociação iônica da substância que foi dissolvida. Nesses casos, o número de íons dependerá do tipo de soluto que foi dissolvido.
Por exemplo, o sal de cozinha é o cloreto de sódio (NaCl), que, ao ser dissolvido em água, cada mol gera 2 mol de íons, conforme pode ser visto a seguir:
NaCl(aq) → Na+(aq) + Cl-(aq)
↓ ↓ ↓
1 mol 1 mol 1 mol
1 mol/L 2 mol/L
Por outro lado, 1 mol de ácido sulfúrico (H2SO4) gera 3 íons:
H2SO4(aq) → 2 H+(aq) + 1 SO2-(aq)
↓ ↓ ↓
1 mol 2 mol 1 mol
1 mol/L 3 mol/L
Então, no caso de soluções iônicas, o número de partículas presentes na solução sempre será maior que o número de partículas do soluto que foram dissolvidas. Além disso, nos exemplos acima, consideramos que houve uma dissociação iônica e uma ionização de 100% das partículas dissolvidas, mas nem sempre na prática é isso o que ocorre. Por exemplo, o grau de ionização (α) do ácido sulfúrico é de 61%, o que significa que 100 moléculas de H2SO4(aq) produzem 222 partículas, como mostrado no cálculo a seguir:
1 H2SO4 → 2 H+ + 1 SO2-(aq)
No início: 100 moléculas → zero + zero
61% de moléculas ionizaram-se: 61 moléculas → (61 íons H+ . 2) + 61 íons SO2-(aq)
No final, teremos: 100-61= 39 moléculas de H2SO4 → 122 íons H+ + 61 íons SO2-(aq)
Total : 39 + 122 + 61 = 222
Por isso, surgiu a necessidade de introduzir um fator de correção nas fórmulas mostradas mais acima para realizar os cálculos envolvendo soluções iônicas.
Esse fator de correção foi proposto pelo físico e químico holandês Jacobus Henricus Van’t Hoff (1852-1911) e, por isso, passou a ser chamado de Fator de Van’t Hoff, sendo simbolizado pela letra “i”.
Assim, basta acrescentar o fator de Van’t Hoff nas fórmulas mencionadas. Veja:
* Tonoscopia: __Psolução = Kt . W. i
Psolvente puro
* Ebulioscopia: te = Ke . W . i
* Crioscopia: tf = Kf . W . i
No caso da osmose, a pressão osmótica pode ser calculada através da seguinte expressão: π = M . R . T . i, que pode ser vista com mais detalhes no texto Determinação da pressão osmótica.
Mas como sabemos o valor do fator de Van’t Hoff para ser aplicado nessas fórmulas?
Essa grandeza nada mais é do que a soma da quantidade de íons gerados na dissociação iônica ou ionização total do soluto. Por exemplo, no caso do NaCl mostrado, 1 mol dele gerou 2 mol, então, para ele, temos i = 2; já no caso do H2SO4, temos i = 3. Veja outros exemplos:
1 K3PO4 → 3 K+ + 1 PO3-4 → i = 4
Ca3(PO4)2(s) → 3 Ca2+(aq) + 2 PO43-(aq)→ i = 5
E se a ionização (ou dissociação) do soluto não for igual a 100%? Vamos considerar novamente o exemplo do ácido sulfúrico cujo grau de ionização é de 61%. Vimos que 100 moléculas de H2SO4 geraram 222 partículas. Assim, temos:
100 . i = 222
i = 222 / 100
i = 2,22
Van't Hoff deduziu a fórmula que pode ser usada para calcular “i”, que é dada por:
i = 1 + α (q -1)
Sendo:
i= fator de Van't Hoff;
α = grau de ionização (ou de dissociação iônica);
q = número de íons originados por uma fórmula do soluto.
Usando essa fórmula para determinar o fator de Van't Hoff, no caso do ácido sulfúrico acima, temos:
i = 1 + α (q -1)
i = 1 + 61% (3 - 1)
i = 1 + 0,61 (3 - 1)
i = 2,22
Deu exatamente o mesmo valor indicado pelo método anterior.
* Crédito da imagem: Boris15/Shutterstock.com