Manoel de Barros

Retrato do artista quando coisa
A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.
O poema que você leu pertence ao “maior poeta brasileiro”, epíteto concedido a Manoel de Barros pelo genial – e modesto – Carlos Drummond de Andrade. Fato é que um gênio se reconhece em outro, e certamente Drummond sabia da grandeza dos versos do colega, que ficou conhecido pela racionalidade inscrita em um elaborado universo onírico.
Manoel de Barros nasceu na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, no dia 19 de dezembro de 1917. Considerado como um dos maiores poetas vivos brasileiros, sua obra está cronologicamente vinculada à Geração Modernista de 45, pois estreou em 1937 com o livro “Poemas Concebidos sem Pecado”. Em 1996, publicou sua obra mais conhecida, “Livro sobre Nada”, do qual extraímos o seguinte poema:
A arte de infantilizar formigas
Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra
- meu avô começou a dar germínios.
Queria ter filhos com uma árvore.
Sonhava de pegar um casal de lobisomem para ir
vender na cidade.
Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do
quintal : Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra
dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.
Aí a nossa mãe deu entidade pessoal ao dia.
Ela deu ser ao dia,
e ele envelheceu como um homem envelhece.
Talvez fosse a maneira
que a mãe encontrou para aumentar
as pessoas daquele lugar
que era lacuna de gente.
O cuidado com a linguagem é uma característica marcante nos poemas de Manoel de Barros. É possível observar uma subversão da construção sintática, além do emprego constante de neologismos e sinestesias, peculiaridades encontradas também na obra de Guimarães Rosa, a quem Barros é comumente comparado. Conhecido nacional e internacionalmente como um dos maiores poetas da contemporaneidade, Manoel de Barros colecionou ilustres admiradores, que destacaram em sua obra a originalidade presente nos versos aparentemente surrealistas.
Em um primeiro momento, o universo onírico descrito através de imagens e sinestesias pode confundir o leitor mais apressado e levá-lo a classificar Barros como um poeta surrealista. Contudo, após uma leitura mais cuidadosa, o que era sonho é nitidamente transformado em racionalidade. Em seus poemas podemos encontrar temas como o medo da morte, o destino do homem, a sombra da infância projetada no adulto e a busca da felicidade.
Obras de Manoel de Barros publicadas no Brasil:
1937 — Poemas concebidos sem pecado
1942 — Face imóvel
1956 — Poesias
1960 — Compêndio para uso dos pássaros
1966 — Gramática expositiva do chão
1974 — Matéria de poesia
1982 — Arranjos para assobio
1985 — Livro de pré-coisas (Ilustração da capa: Martha Barros)
1989 — O guardador das águas
1990 — Poesia quase toda
1991 — Concerto a céu aberto para solos de aves
1993 — O livro das ignorãças
1996 — Livro sobre nada (Ilustrações de Wega Nery)
1998 — Retrato do artista quando coisa (Ilustrações de Millôr Fernandes)
1999 — Exercícios de ser criança
2000 — Ensaios fotográficos
2001 — O fazedor de amanhecer (infantil)
2001 — Poeminhas pescados numa fala de João
2001 — Tratado geral das grandezas do ínfimo (Ilustrações de Martha Barros)
2003 — Memórias inventadas (A infância) (Ilustrações de Martha Barros)
2003 — Cantigas para um passarinho à toa
2004 — Poemas rupestres (Ilustrações de Martha Barros)
2005 — Memórias inventadas II (A segunda infância) (Ilustrações de Martha Barros)
2007 — Memórias inventadas III (A terceira infância) (Ilustrações de Martha Barros)
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