Romantismo no Brasil

Romantismo foi uma escola estética manifesta no início do século XIX nas mais variadas formas — literatura, pintura, música, dramaturgia e filosofia. Suas características, movidas pela inconformidade, pela busca da individualidade e pela idealização sentimental, consolidaram um imaginário próprio e tiveram grande difusão ao redor do mundo.

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Contexto histórico do Romantismo no Brasil

Um dos mais importantes movimentos artísticos do século XIX, o Romantismo está diretamente relacionado com a ascensão da burguesia a partir do fim do Antigo Regime e com as novas relações de trabalho e a urbanização que surgiam a partir da Revolução Industrial.

No Brasil, a chegada do Romantismo coincide com a vinda da família real, fugida dos ideais revolucionários que tomavam a Europa na época, reconfigurando as terras brasileiras, antes tidas apenas como colônia de exploração, agora sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

A vinda do rei e da corte portuguesa trouxe consigo a criação da imprensa brasileira e do Banco do Brasil, entre outras modernizações, semeando terreno fértil para o desenvolvimento cultural, propulsionado pela vanguarda europeia da época — o Romantismo.

O Romantismo no Brasil, assim como o europeu, enfoca a subjetividade em detrimento da objetividade encontrada no Arcadismo.

Características do Romantismo no Brasil

  • Subjetividade e individualismo: o indivíduo está em primeiro plano, bem como suas paixões, sentimentos e maneiras de ver o mundo.
  • Culto à sensibilidade: em reação contrária aos ideais racionalistas do Iluminismo europeu, que privilegiam a razão e a objetividade, os românticos enfatizam a valorização do sentimento como principal expressão humana.
  • Exaltação da natureza: os elementos da natureza aparecem em conformidade com os estados de espírito do eu lírico. A descrição das paisagens externas remete ao que se passa na interioridade do sujeito.
  • Idealização: com a exaltação de temas sentimentais, os românticos apresentam descrições idealizadas do amor, do herói e da mulher, exagerando suas características. A mulher é tida como símbolo de pureza, o amor é retratado como o ideal maior e única possibilidade de realização do sujeito.
  • Fuga da realidade: o que é da ordem do sentimento, da interioridade e da idealização já não corresponde à realidade em si, dando espaço para que o autor romântico aborde temas como a loucura, o delírio e o escape por meio da arte.

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Tipos de romances

  • Romance indianista: protagonizado pelo índio romântico, herói da nação e representante do Brasil e dos brasileiros. A exaltação da natureza é característica importante e componente da estrutura espacial da narrativa, uma vez que a valorização da pátria é reforçada pelo enaltecimento das paisagens brasileiras. São exemplos os romances Iracema, O Guarani e Ubirajara, também conhecidos como trilogia indianista, de autoria de José de Alencar.
  • Romance histórico: narrativa de fundo histórico, geralmente voltada para o período colonial brasileiro e os temas caros à época, como as entradas e bandeiras e a exploração aurífera. Tem por objetivo consolidar literariamente a construção do passado nacional, o que muitas vezes traz à tona um nacionalismo exacerbado. São romances históricos As minas de prata e Guerra dos mascates, de José de Alencar.

  • Romance urbano: privilegia a vivência nas capitais e geralmente narra episódios que se passam na alta sociedade e na corte. Os romances urbanos foram, e até hoje são, os mais lidos e funcionaram como crítica dos costumes, ressaltando aspectos negativos da vida burguesa e da vida nas cidades. Narram especialmente intrigas amorosas e disparidades socioeconômicas. São romances urbanos Lucíola, Senhora, Diva e A viuvinha, de José de Alencar, e A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo.
  • Romance regionalista: em ambiência rural, promove a exposição dos costumes típicos, com o objetivo de redescobrir o Brasil por meio de culturas específicas de cada região. É um retrato dos costumes de determinado local, expondo influências folclóricas, geográficas e econômicas. São exemplos de romances regionalistas A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, e Inocência, de Visconde de Taunay.

Gerações do Romantismo no Brasil

O Romantismo no Brasil divide-se principalmente em três gerações: o nacionalismo, o ultrarromantismo e o condoreirismo.

  • Primeira geração: nacionalismo ufanista e indianismo

Gonçalves de Magalhães, o introdutor do Romantismo no Brasil.

Fruto de um desejo de emancipação e autonomia, o Romantismo brasileiro tem fortes traços nacionalistas. A empreitada romântica envolve o desejo de construir uma identidade nacional. Muitas vezes essa vontade manifesta-se com certa lusofobia, ou seja, uma rejeição à herança cultural portuguesa, em prol da criação de uma tradição cultural brasileira e de uma idealização da pátria, de modo a promover apenas as suas qualidades. A primeira geração dos românticos brasileiros, portanto, é marcadamente nacionalista, expressando-se notadamente com base no ufanismo e no indianismo.

Gonçalves de Magalhães (1811-1882) é tido como o autor que introduz o movimento romântico à literatura nacional. Seu livro Suspiros poéticos e saudades, de 1836, é a primeira publicação brasileira que segue as características estéticas do Romantismo. É parte integrante dela o poema O Dia 7 de Setembro, em Paris, um exemplo de poema nacionalista e que evoca a importância da Independência, para o florescimento dos ideais românticos em terras brasileiras, enquanto símbolo de uma identidade nacional:

O Dia 7 de Setembro, em Paris

Longe do belo céu da Pátria minha,
Que a mente me acendia,
Em tempo mais feliz, em qu'eu cantava
Das palmeiras à sombra os pátrios feitos;
Sem mais ouvir o vago som dos bosques,
Nem o bramido fúnebre das ondas,
Que n'alma me excitavam
Altos, sublimes turbilhões de ideias;
Com que cântico novo
O Dia saudarei da Liberdade?

Ausente do saudoso, pátrio ninho,
Em regiões tão mortas,
Para mim sem encantos, e atrativos,
Gela-se o estro ao peregrino vate.
Tu também, que nos trópicos te ostentas
Fulgurante de luz, e rei dos astros,
Tu, oh sol, neste céu teu brilho perdes.

[...]

Dia da Liberdade!
Tu só dissipas hoje esta tristeza
Que a vida me angustia.
Tu só me acordas hoje do letargo
Em que esta alma se abisma,
De resistir cansada a tantas dores.
Ah! talvez que de ti poucos se lembrem
Neste estranho país, onde tu passas
Sem culto, sem fulgor, como em deserto
Caminha o viajor silencioso.

Mas rápidos os dias se devolvem;
E tu, oh sol, que pálido me aclaras
Nestas longínquas plagas,
Brilhante ainda raiarás na Pátria,
E ouvirás meus hinos
Em honra deste Dia, não magoados
Co'os fúnebres acentos da saudade.

(Gonçalves de Magalhães)

Embora Gonçalves de Magalhães tenha sido considerado o primeiro romântico brasileiro, Gonçalves Dias (1823-1864) é um dos principais expoentes da primeira geração romântica, consolidando o movimento no Brasil. Um de seus poemas mais famosos, Canção do exílio, expressa a idealização da pátria e tornou-se icônico na cultura brasileira por emprestar dois versos ao Hino Nacional:

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que eu desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.

(Gonçalves Dias)

Em ambos os poemas, pode-se perceber a hipervalorização da pátria, o enaltecimento da natureza como símbolo nacional e o desejo de consolidar uma identidade brasileira.

Gonçalves Dias é ainda autor de inúmeros poemas indianistas. Um desdobramento do nacionalismo do Romantismo brasileiro, o indianismo elege o indígena como imagem ideal da identidade nacional.

Os poetas românticos europeus voltam-se ao passado como ferramenta de escape da realidade, e como recurso para construir também as identidades nacionais que surgiam quando do fim do Antigo Regime, evocando figuras de cavaleiros medievais. Enquanto isso, os poetas brasileiros evocam o índio romântico como representante da originalidade do povo brasileiro, que remete a um passado glorioso e reforça o sentimento de unidade nacional.

I-Juca Pirama

No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas cortes
Assombram das matas a imensa extensão.

São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!

As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.

[...]

IV

Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.

[...]

(Gonçalves Dias)

Os poemas indianistas são geralmente épicos, estruturados em formas longas, com muitas estrofes e um pano de fundo narrativo que evoca elementos da cosmologia indígena e fragmentos da história da colonização, como A confederação dos tamoios, poema de Gonçalves de Magalhães, que reconta o episódio histórico da revolta dos Tupinambás contra a invasão portuguesa:

A confederação dos Tamoios

[...]

Vós, solitários Gênios dos desertos
Do meu pátrio Brasil, nunca invocados
Té-qui por nenhum vate, a cujas vozes
Doçura deram do Carioca as águas;
Gênios, que outrora com choroso acento
Suspiros repetistes lamentosos
De tantas malfadadas tribos de índios,
Que viram do Europeu n’ávida espada
O sangue gotejar dos caros filhos;
 

[...]

Apenas há três sóis que uns Emboabas
Dos que talvez na Bertioga habitam,
Naquela praia embaixo apareceram,
Camorim e Iguaçu também andavam
Nesse dia fatal por lá caçando.
Quem podia prever um mal tão grande?

[...]

(Gonçalves de Magalhães)

No formato da prosa, José de Alencar (1829-1877) é um dos principais autores indianistas, principalmente pela publicação de três romances: O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874), conhecidos também como trilogia indianista.

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  • Segunda geração: ultrarromantismo ou “o mal do século”

Álvares de Azevedo foi um grande expoente dessa geração.

Em oposição à primeira, a segunda geração é marcada pelo pessimismo e descrédito aos ideais patrióticos, bem como pela ênfase no sentimentalismo e na forma da literatura confessional. Sua característica maior é a evasão da realidade — seja por meio da arte, do sonho, da lembrança ou da morte.

São os chamados byronianos pela influência da obra de Lord Byron (1788-1824), poeta romântico inglês que inspirou diversos autores ultrarromânticos. Estes são também influenciados por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e Alphonse de Lamartine (1790-1869), entre outros.

São temas da segunda geração do Romantismo brasileiro o tédio, a melancolia, o mistério, a noite, a desilusão, a frustração, o isolamento, a perda de sentido da vida, a idealização do amor e da mulher, e a solidão, expressos na forma de um individualismo exacerbado. Essa crise de cunho pessimista foi batizada de “mal do século” por expressar um descontentamento com os valores em voga.

Álvares de Azevedo (1831-1852), Casimiro de Abreu (1839-1860), Junqueira Freire (1832-1855) e Fagundes Varela (1841-1875) são os principais expoentes do ultrarromantismo no Brasil. Confira um exemplo de poema dessa fase:

Adeus, meus sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

(Álvares de Azevedo)

Álvares de Azevedo escreveu ainda a peça teatral Macário (1855) e o compilado de contos Noite na taverna (1855), obras publicadas postumamente.

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  • Terceira geração: condoreirismo ou poesia social

Castro Alves sofreu muita influência de Victor Hugo.

Influenciados pelo momento histórico do movimento republicano que ganhava forma no Brasil, principalmente pelo surgimento de uma intelectualidade abolicionista, os autores da terceira geração do Romantismo voltam-se para os problemas sociais brasileiros, especialmente a escravidão, propondo a recuperação do negro como símbolo nacional literário.

Os ideais de liberdade e igualdade são centrais para os condoreiros, que ganham esse nome em referência ao condor, ave de voo muito alto, com a qual os românticos da terceira geração identificam-se, por representar os desejos também elevados de liberdade.

Os condoreiros são também chamados hugoanos, graças à influência da poesia de Victor Hugo (1802-1855), cuja ênfase é transferida do mundo subjetivo, individualista e egocêntrico das primeiras fases do Romantismo para o mundo objetivo, para o outro, para os problemas da sociedade.

Os principais temas dos autores condoreiros são o abolicionismo, o fim da idealização do amor e do amor platônico e sua substituição por vivências amorosas reais, e a liberdade como horizonte, em razão das revoltas ante as desigualdades e problemas sociais.

Castro Alves (1847-1871) é o grande expoente da terceira geração do Romantismo brasileiro, ao lado de Tobias Barreto (1839-1889), Joaquim de Sousa Andrade (1833-1902) e Victoriano Palhares (1840-1890).

Navio negreiro

[...]

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

[...]

(Castro Alves)

Publicado por Luiza Brandino
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