Murilo Mendes
Murilo Mendes, escritor brasileiro, nasceu em 13 de maio de 1901. Seu primeiro livro — Poemas — foi publicado em 1930. Sua poesia, vinculada à segunda geração do modernismo brasileiro, possui marcas do surrealismo, além de elementos vinculados ao catolicismo. O autor recebeu o Prêmio de Poesia da Fundação Graça Aranha (no Brasil), além do Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina e o Prêmio Viareggio (ambos na Itália).
As obras do poeta, que morreu em 13 de agosto de 1975, trazem questões existenciais, sociais e espirituais, em consonância com a realidade de seu tempo. Seu livro mais irônico, publicado em 1932, é História do Brasil. Essa obra carrega traços da primeira geração modernista, uma vez que trata de questões históricas, sociais e políticas, com humor, liberdade formal e clara intenção de fazer uma revisão crítica do passado histórico.
Biografia de Murilo Mendes
Murilo Mendes nasceu em 13 de maio de 1901, em Juiz de Fora, Minas Gerais, e perdeu sua mãe no ano seguinte. Seu contato com a poesia teve início na infância, quando começou a fazer seus primeiros versos. Tinha 16 anos quando fugiu do colégio para assistir a uma apresentação do bailarino russo Vaslav Nijinski (1889-1950), no Rio de Janeiro, onde foi morar em 1920 e, para manter-se, passou a trabalhar no Ministério da Fazenda.
Sua filiação ao modernismo deu-se com a publicação do poema “República”, na Revista de Antropofagia, em 1928. Assim, O primeiro livro do autor — Poemas — foi publicado em 1930, custeado pelo pai, que era funcionário público. Por essa obra, ganhou o Prêmio de Poesia Fundação Graça Aranha. Quatro anos depois, com a morte de seu amigo, o pintor Ismael Nery (1900-1934), que era católico, Murilo Mendes passou a dedicar-se ao catolicismo, crença que, a partir de então, influenciou fortemente a sua escrita poética.
Em 1936, foi nomeado inspetor de ensino secundário do Distrito Federal. Em 1943, ficou internado durante seis meses, com sintomas de tuberculose. Curado, mas sem poder viver exclusivamente da escrita, em 1946, trabalhou como escrivão. No ano seguinte, casou-se com a poetisa Maria da Saudade Cortesão (1914-2010). Em 1948, escreveu para os periódicos A Manhã e O Estado de S. Paulo. Já na década seguinte, entre os anos de 1953 e 1956, dedicou-se a fazer conferências literárias na França, Bélgica e Holanda.
Sua mudança para a Itália ocorreu em 1957. Ali, foi professor de cultura brasileira na Universidade de Roma e na Universidade de Pisa, a serviço do Departamento Cultural do Itamarati. Sua casa era ponto de encontro de escritores e artistas plásticos da Europa. Murilo Mendes recebeu o Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina, em 1972, e o Prêmio Viareggio, em 1973, antes de falecer, em 13 de agosto de 1975, em Portugal.
Estilo literário de Murilo Mendes
As obras de Murilo Mendes, autor pertencente à segunda fase do modernismo brasileiro (1930-1945), apresentam:
- Ironia
- Crise existencial
- Conflito espiritual
- Questionamento metafísico
- Temática sociopolítica
- Liberdade formal
- Influência do surrealismo:
- Caráter onírico
- Valorização do inconsciente
- Ilogismo e nonsense
- Presença de símbolos do catolicismo
- Reflexão sobre a realidade brasileira
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Obras de Murilo Mendes
- Poemas (1930)
- Bumba-meu-poeta (1931)
- História do Brasil (1932)
- O sinal de Deus (1936)
- A poesia em pânico (1937)
- O visionário (1941)
- As metamorfoses (1944)
- Mundo enigma (1945)
- O discípulo de Emaús (1945)
- Poesia liberdade (1947)
- Janela do caos (1949)
- Contemplação de Ouro Preto (1954)
- Poesias (1959)
- Siciliana (1959)
- Tempo espanhol (1959)
- A idade do serrote (1968)
- Convergência (1970)
- Poliedro (1972)
Aquilo que poderíamos chamar de “primeira fase” da poesia de Murilo Mendes está ainda atrelado aos valores da primeira geração modernista (1922-1930), caracterizada pela linguagem coloquial e pelo nacionalismo, o que fica evidente em seus três primeiros livros: Poemas, Bumba-meu-poeta e História do Brasil. O teor irônico, do poema-piada, está bastante marcado em História do Brasil. Apesar de essa obra não ser muito apreciada pelo autor, ela realiza a proposta da primeira geração modernista, que é fazer uma revisão crítica do passado histórico brasileiro:
Esta guerra não acaba,
Tem tanto combate, tanto,
Que se custa a decorar:
Ai! Que será desta guerra
Se acabarem com a folhinha?
Quem lembra de tantos nomes?
Vejam, o almirante Barroso
Lá na praia do Flamengo
Tira hoje, eternamente,
Uma bruta barretada
Sem ninguém lhe responder.
Em todo o caso resumo
As qualidades, defeitos
De tantos heróis barbudos,
De Osório, Tamandaré.
Cada um cumpriu seu dever,
Conforme Nelson pediu.
Resisti até o final,
Tive duas mãos no começo,
No meio tive uma só,
Não tive nenhuma no fim:
Mas combatia com os pés,
Com a cabeça, com a boca;
Até agora combato,
O meu fantasma combate
Na proa dos couraçados...
Minha boca não morreu,
Pois dá gritos de canhão;
Nas noites de tempestade
O marinheiro anuncia:
— Luta o mar, bravo, zangado,
Coitado de meu navio —,
Vocês se enganam, sou eu.
Nesse poema de Murilo Mendes, intitulado “A boca de Marcílio Dias”, do livro História do Brasil, o eu lírico ironiza o personagem histórico Marcílio Dias (1838-1865), marinheiro e herói na Batalha Naval do Riachuelo, durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). A história oficial conta que sua corveta foi rodeada por três navios paraguaios. O herói, então, travou uma luta corporal com quatro paraguaios e, com um sabre, matou dois deles. Seu braço, no entanto, foi decepado, o que causou sua morte um dia depois.
No poema, o eu lírico zomba do número de batalhas da guerra, pois são tantas que, para lembrar-se delas, é preciso de uma folhinha, ou seja, um calendário. São também tantos nomes de batalhas e combatentes, que se o almirante Barroso (1804-1882) cumprimentasse alguém na praia do Flamengo hoje, ninguém lhe responderia, já que não saberia quem ele é. Além do mais, o eu lírico refere-se, sem idealização, aos heróis, pois diz que eles têm “defeitos”. Por fim, ironiza Marcílio Dias, ao dar voz ao herói, que diz:
Resisti até o final,
Tive duas mãos no começo,
No meio tive uma só,
Não tive nenhuma no fim:
Mas combatia com os pés,
Com a cabeça, com a boca;
[...]
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Poemas de Murilo Mendes
No soneto “O filho pródigo”, do livro Poesias, o autor demonstra sua fase mais hermética e metafísica, além do uso do verso branco (metrificação — decassílabo — e ausência de rimas). Dessa forma, com evidente influência da tradição católica, o poema retoma um episódio da Bíblia, a volta do filho pródigo. Assim, o eu lírico observa a criação de Deus, carregada da amargura proveniente da expansão da consciência.
O eu lírico é evocado (ou convocado) por Deus. Então, é possível entender que ele é o filho pródigo, em um sentido metafórico, pois é aquele que estava distante, mas agora volta para o seu pai, isto é, Deus. Afirma que O entreviu uma única vez, entre humano e divino, provavelmente se refere a Jesus Cristo, que o atraía até o seu coração. No entanto, Deus teria oferecido um festim (pequena festa) a outros, não ao eu lírico, pois a única música que ele ouve é a do “soluço da terra”, ou seja, do sofrimento da humanidade:
À beira do antiuniverso debruçado
Observo, ó Pai, a tua arquitetura.
Este corpo não admite o peso da cabeça...
Tudo se expande num sentido amargo.
Lembro-me ainda que me evocaste
Do teu caos para o dia da promessa.
O fogo irrompia das mulheres
E se floria o sol de girassóis.
Uma única vez eu te entrevi,
Entre humano e divino inda indeciso,
Atraindo-me ao teu íngreme coração.
Para outros armaste o teu festim:
E da tua música só vem agora
O soluço da terra, dissonante.
Já o poema “Jandira”, do livro O visionário, além de conter referências católicas, é um exemplo de poesia surrealista composta por Murilo Mendes, como é possível observar nestes trechos:
Depois surgiram outras peças da criação:
Surgiram os cabelos para cobrir o corpo,
(Às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos.)
E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.
E surgiram sereias da garganta de Jandira:
O ar inteirinho ficou rodeado de sons
Mais palpáveis do que pássaros.
E as antenas das mãos de Jandira
Captavam objetos animados, inanimados,
Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.
E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar
Quando Jandira penteava a cabeleira...
[...]
E o marido de Jandira
Morreu na epidemia de gripe espanhola.
E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.
Desde o terceiro dia o marido
Fez um grande esforço para ressuscitar:
Não se conforma, no quarto escuro onde está.
Que Jandira viva sozinha,
Que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidade
E que ele fique ali à toa.
E as filhas de Jandira
Inda parecem mais velhas do que ela.
E Jandira não morre,
Espera que os clarins do juízo final
Venham chamar seu corpo,
Mas eles não vêm.
E mesmo que venham, o corpo de Jandira
Ressuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente.
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Frases de Murilo Mendes
A seguir, vamos ler algumas frases do autor, retiradas de entrevista concedida a Homero Senna, em 1945:
“Encontrei na literatura um modo de exteriorizar a revolta diante do convencionalismo, do superficialismo e do farisaísmo do ambiente social que me cercava.”
“Tinha e tenho uma irremediável falta de jeito para a vida prática.”
“Creio que a poesia do futuro terá um caráter místico e também social, coletivo, comunitário.”
“O artista, em si, é sempre individualista, o que não o impede de compreender e interpretar os anseios da coletividade.”
“Todo homem que cria beleza, por um verso sobre uma rosa ou uma borboleta, aumenta o bem-estar da comunidade.”
“A torre de marfim só existe no papel.”
“Condeno o recurso sistemático aos velhos clichês de expressão.”
“Para tudo na vida é preciso iniciação.”
“Os monstruosos regimes políticos modernos como que se especializaram na criação de aleijões, no sentido não só moral, mas também físico.”
“Acho absurdo que o poeta deixe de publicar uma poesia apenas por não ser facilmente inteligível.”
“A poesia é uma chave do conhecimento do Universo, como a religião e a ciência, e não pode, portanto, ser relegada à condição de um passatempo frívolo.”
Crédito da imagem
[1] Edusp (reprodução)