Pré-Modernismo

O pré-modernismo foi, como o próprio nome aponta, um período de transição no universo artístico. Principalmente entre os anos de 1902 e 1922, houve uma produção literária que não correspondia às escolas do realismo, do naturalismo, do simbolismo ou do parnasianismo, tendências estéticas ainda correntes na época.

Essa produção foi chamada pré-moderna e recuperou algumas características dos movimentos artísticos da época, ao mesmo tempo em que delineou aquilo que depois seria conhecido como modernismo. Assim, o que se entende por pré-modernismo é uma confluência de diversas produções que misturam tendências literárias diferentes.

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Contexto histórico do pré-modernismo

A virada do século XIX para o século XX correspondeu, no Brasil, a uma transição do regime monárquico para o republicano. É o chamado período da República Velha, muitas vezes também denominado de “República do Café com Leite”, graças à oligarquia promovida pelos grandes latifundiários dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Eram eles os responsáveis por decidir os rumos da política e da economia brasileiras.

Também eram influentes outras camadas da classe dominante, como o Exército e a burguesia industrial, que ganhava força especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. O surgimento do modo de produção industrial brasileiro trouxe consigo o aumento da urbanização e criou novos estratos sociais, como o proletariado e o subproletariado. Além disso, com a consolidação da economia cafeeira, declinava cada vez mais a cultura de cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro.

A escravatura, recém-abolida, escancarou as fronteiras do país para a chegada de imigrantes europeus e asiáticos, com vistas a substituir a mão de obra escrava nas lavouras. Os negros alforriados, por sua vez, não tiveram qualquer direito à integração cidadã: três séculos de escravatura naturalizaram socialmente essa condição e foram basilares para o racismo estrutural como um dos componentes da fundação da república. Uma nova massa de desempregados e desvalidos formava-se e agravavam-se as desigualdades sociais.

Criava-se um abismo cada vez maior entre o povo e os dirigentes da República, que também, por sua vez, viam-se em um conflito de interesses: de um lado, o grupo de latifundiários representantes do tradicionalismo agrário brasileiro, até pouco tempo escravocrata; de outro, a burguesia industrial incipiente, influenciável pelos fluxos financeiros e interesses do capital europeu e estadunidense. Os primeiros anos do Brasil republicano ficaram também conhecidos como período da República da Espada, marcado pelo autoritarismo do Exército e por insurreições como a Revolta da Armada, a Guerra de Canudos e a Revolução Federalista.

Ilustração do Marechal Floriano Peixoto, segundo presidente da república brasileira, e à direita, da Revolta da Armada, uma dentre as várias insurreições da oligarquia republicana.

Características do pré-modernismo

O pré-modernismo não foi uma escola ou uma tendência literária e congregou produções muito distintas entre si. Assim, não há uma homogeneidade entre as características das obras do período. Ainda assim, podemos citar algumas, que aparecem ora em algumas produções, ora em outras.

  • Nacionalismo crítico/temático: preferência pela abordagem das desigualdades sociais, colocando em evidência um Brasil miserável e marginalizado, um Brasil não oficial, que as promessas de modernização do governo republicano tentavam encobrir. Além disso, já teve início um repúdio pelas escolas literárias importadas da Europa, em busca de uma expressão artística de fato brasileira.

  • Renovação da linguagem literária: alguns autores optaram pela incorporação de elementos da linguagem coloquial na linguagem literária, ampliando o léxico das obras para regionalismos, expressões populares, neologismos e gírias. Também houve certa aproximação entre a linguagem literária e a jornalística. Outros escritores, por sua vez, preferiram proposta diferente: a poetização da linguagem científica.

Pré-modernismo na Europa

A virada do século XIX para o século XX, na Europa, configurou outro contexto histórico e fez florescer outras tendências estéticas. O fenômeno da industrialização, que no Brasil era ainda muito inicial nesse período, já era uma realidade consolidada na Inglaterra e na França, fazendo surgir grandes centros urbanos nesses países. Enquanto o Brasil ainda vivia de modo predominantemente rural, os países europeus passavam por uma segunda etapa da Revolução Industrial e, consequentemente, por grandes mudanças na vida cotidiana, que já se anunciavam desde o final do século XVIII.

A ideia de modernidade, de inquietude e de transformação cultural já estava presente em obras europeias de meados do século XIX, com destaque para a produção literária de Charles Baudelaire (1821-1867), considerado um dos precursores da noção de modernidade. No campo das artes visuais, o rompimento com o academicismo teve início com o movimento impressionista, por volta das décadas de 1860 e 1870, abrindo espaço para novas técnicas e novas maneiras de produção artística.

Na literatura, conviveram os movimentos do realismo, naturalismo, parnasianismo e simbolismo – esse último absorveu ainda mais os tons crepusculares da virada do século e das incertezas a respeito do futuro da humanidade, do mal-estar da civilização industrial, da redução do ser humano em instrumento do mercado de trabalho.

Tudo isso preparou o terreno para que, nos primeiros anos do século XX, a Europa começasse a vivenciar uma grande transformação no que diz respeito à maneira como se produzia e se entendia o trabalho artístico. Assim, em 1905, surgiu na Alemanha uma tendência estética chamada expressionismo, um dos primeiros entre os diversos movimentos de vanguarda artística que deram início ao que se chamou de arte moderna.

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Autores do pré-modernismo

  • Euclides da Cunha (1866-1909)

Gravura de Euclides da Cunha feita por Laudelino Freire.

Engenheiro militar de formação, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo (RJ), em 20 de janeiro de 1866. Discípulo de Benjamin Constant, que fundamentou seus ideais republicanos, foi expulso da Escola Militar da Praia Vermelha em 1888 depois de ter ofendido o ministro da Guerra do Império. Mudou-se para São Paulo, onde passou a colaborar como escritor para o jornal A Província de São Paulo, que mais tarde se tornaria o ainda em circulação O Estado de S. Paulo. Foi reincorporado ao Exército depois da Proclamação da República, do qual se desligou apenas em 1896. Trabalhou como engenheiro em diversas regiões do país.

Sua grande contribuição literária foi a obra Os sertões, publicada pela primeira vez em 1902. Trata-se de um vasto compilado daquilo que presenciou enquanto repórter d’O Estado de S. Paulo ao viajar para o sertão baiano durante a Guerra de Canudos, em 1897. É um livro de não ficção que surpreende pelo hibridismo entre as descrições poéticas do cenário natural, ao mesmo tempo que aborda questões sociológicas, geográficas e científicas, unidas a vocabulários sertanejos e brasileirismos.

  • Lima Barreto (1881-1922)

Retrato de Lima Barreto, um dos nomes centrais da literatura brasileira no período pré-modernista.

Filho de um tipógrafo e de uma professora primária, Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881, e ficou órfão de mãe aos 7 anos. De origem humilde, foi jornalista e também funcionário público. Sua vida pessoal foi tumultuada e atormentada pelas dificuldades em ser mestiço, pobre e produzir literatura no meio intelectual fluminense. Acometido por crises de depressão e alcoolismo, foi internado duas vezes no Hospício Nacional, onde escreveu uma de suas grandes obras, Cemitério dos Vivos.

Engajado em uma literatura social, era profundamente avesso à oligarquia republicana, e seu estilo literário envolvia um hibridismo entre os planos narrativo e crítico. Sua obra mais famosa, publicada pela primeira vez em 1915, é Triste fim de Policarpo Quaresma, que narra a trajetória de um protagonista patriota que, entre outros arroubos de nacionalidade exacerbada, aprende tupi e defende que seja essa a língua oficial brasileira. Policarpo tem uma postura quixotesca e seu triste fim coincide com a revelação de que a pátria por ele tanto sonhada nunca existira.

  • Monteiro Lobato (1882-1948)

Estátua de Monteiro Lobato na entrada de Taubaté, sua cidade natal. [1]

José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, em 18 de abril de 1882. Herdou a fazenda do avô, mas sem saber administrá-la, vendeu-a e comprou a Revista do Brasil, mudando-se para São Paulo. A empreitada como editor também não foi bem-sucedida, levando Lobato a mudar-se, em 1925, para Nova York, onde trabalhou como adido comercial. Retornou para o Brasil em 1931 e fundou a Companhia Petróleo do Brasil.

Lobato tinha uma postura nacionalista, conservadora, polemista e pouco receptiva às propostas modernistas da Semana de 1922. É mais conhecido por suas histórias voltadas ao público infantojuvenil, principalmente a série de narrativas do universo do Sítio do Picapau Amarelo, por ele criado. Mas escreveu também para adultos, com destaque para os livros de contos Urupês, Cidades Mortas e Negrinha. Além dos contos, escreveu o romance O choque das raças ou o presidente negro e muitos artigos e ensaios – sem dúvidas, polêmicos. É dele o personagem Jeca Tatu, uma representação regionalista do brasileiro caboclo do interior paulista, ligado à terra, um expoente das camadas mais baixas da cultura agrícola nacional.

  • Augusto dos Anjos (1884-1914)

O paraibano Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu em 20 de abril de 1884, em Engenho Pau d’Arco, e assinou uma obra especialmente ímpar e difícil de enquadrar dentro da historiografia literária nacional. Filho de um bacharel, estudou Direito em Recife, mas nunca exerceu a profissão: viveu publicando artigos em jornais da Paraíba e lecionando Língua Portuguesa e Literatura, não só em seu estado natal, como também no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1910.

Publicou apenas um volume de poesias durante sua breve vida, intitulado Eu (1912), cuja recepção crítica foi extremamente negativa. Dono de um vocabulário rebuscado, composto de uma mistura de termos científicos e uma adjetivação singularíssima, o poeta mesclou em seus versos tendências do parnasianismo, do simbolismo, do naturalismo e do expressionismo, sem se encaixar plenamente em nenhuma delas. Cantor das mais profundas angústias humanas, Augusto dos Anjos foi um exímio sonetista e descreveu, em sua linguagem muito original, a morbidez e a dissolução da matéria humana em versos tensos e violentos.

  • Graça Aranha (1868-1931)

Natural de São Luís (MA), João Pereira da Graça Aranha nasceu em 21 de junho de 1868. Foi romancista, ensaísta e magistrado, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e um dos mais influentes e comprometidos escritores no que diz respeito à renovação artística nacional. Foi durante o exercício da magistratura no interior do estado do Espírito Santo que o autor delineou seu primeiro romance, intitulado Canaã e lançado em 1902.

Nele o autor retrata uma comunidade de imigrantes alemães em um povoado capixaba, e cujas personagens têm posturas muito diferentes a respeito da vida. Graça Aranha levanta, por meio das interações do romance, questões como o colonialismo agressivo e imperialista, o pacifismo, o evolucionismo e o racismo, sendo precursor de questões importantes do Brasil do século XX. Grande avesso ao neoparnasianismo, conheceu o grupo modernista e foi um dos grandes patronos da Semana de Arte Moderna de 1922.

Pré-modernismo e o modernismo

O termo pré-modernismo foi proposto pela primeira vez em 1939 pelo crítico literário Alceu Amoroso Lima, também conhecido por seu pseudônimo Tristão de Ataíde. Essa nomenclatura indica uma ligação indissociável da produção escrita do período ao modernismo. De fato, na produção pré-modernista, podem ser encontrados procedimentos literários que, de certa maneira, anteciparam o que seria adotado pelo modernismo, como o nacionalismo crítico e a valorização da linguagem coloquial.

Por outro lado, essas características não estão presentes em todas as obras, nem aparecem de maneira homogênea. Ainda assim, é importante perceber que a grande ruptura promovida pelo modernismo não nasceu repentinamente, mas foi fruto de um processo de mudanças que já estava em curso.

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Exercícios resolvidos

Questão 1 – (UEL-PR) Nas duas primeiras décadas de nosso século, as obras de Euclides da Cunha e de Lima Barreto, tão diferentes entre si, têm como elemento comum:

A) a intenção de retratar o Brasil de modo otimista e idealizante.

B) a adoção da linguagem coloquial das camadas populares do sertão.

C) a expressão de aspectos até então negligenciados da realidade brasileira.

D) a prática de um experimentalismo linguístico radical.

E) o estilo conservador do antigo regionalismo romântico.

Resolução

Alternativa C. Os autores do período pré-moderno não percebiam a realidade brasileira de modo otimista, mas voltaram seus olhares para aspectos da miséria e disparidade social negligenciados pela comunicação oficial da República e também pelos parnasianos. Tampouco promoveram um experimento linguístico radical ou retornaram ao estilo conservador do regionalismo romântico. Embora Euclides da Cunha tenha inserido, em sua obra Os Sertões, muito do linguajar popular sertanejo, o livro não foi escrito em linguagem coloquial – e Lima Barreto não incorpora em suas obras esses elementos.

Questão 2 – (Fatec-SP) Assinale a alternativa incorreta.

A) Nos primeiros vinte anos deste século, a produção literária brasileira é marcada por diversidades, abrangendo, ao mesmo tempo, obras que questionam a realidade social e obras voltadas para os lugares-comuns herdados de autores anteriores.

B) Pode-se afirmar que um dos traços modernos de Euclides da Cunha é o compromisso com os problemas de seu tempo.

C) A importância da obra de Lima Barreto situa-se no plano do conteúdo, a partir do qual se revela seu caráter polêmico; a linguagem descuidada, porém, revela pouca consciência estética, em virtude de sua formação literária precária.

D) O estilo parnasiano permanece influenciando autores e caracterizando boa parte da obra poética escrita durante o período pré-modernista.

E) Graça Aranha faz parte do conjunto mais significativo de escritores do pré-modernismo. Nos anos anteriores à Semana de Arte Moderna, Graça Aranha interveio a favor da renovação artística a que se propunham os escritores modernistas.

Resolução

Alternativa C. Lima Barreto destacou-se por sua inteligência e pelo trabalho com a linguagem, de modo a aproximá-la das camadas mais populares, sem perder, por isso, a consistência e o acabamento estéticos.

Questão 3 – (UFRGS-RS) Uma atitude comum caracteriza a postura literária de autores pré-modernistas, a exemplo de Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Pode ela ser definida como:

A) a necessidade de superar, em termos de um programa definido, as estéticas românticas e realistas.

B) pretensão de dar um caráter definitivamente brasileiro à nossa literatura, que julgavam por demais europeizada.

C) uma preocupação com o estudo e com a observação da realidade brasileira.

D) a necessidade de fazer crítica social, já que o Realismo havia sido ineficaz nessa matéria.

E) aproveitamento estético do que havia de melhor na herança literária brasileira, desde suas primeiras manifestações.

Resolução

Alternativa C. Não havia um programa definido entre esses autores ou mesmo esse engajamento em consolidar um caráter definitivamente brasileiro à nossa literatura. Também não se pode dizer que todos são guiados pela necessidade de fazer crítica social, tampouco que o Realismo à brasileira tenha falhado nessa empreitada. Também não podemos reconhecer um aproveitamento estético de todas as manifestações literárias brasileiras em sua obra. Mas há, entre todos eles, essa preocupação de observar e estudar a realidade brasileira, seja na Guerra de Canudos, seja na grande capital do país, ou no interior capixaba, ou nos interiores paulistas.

Crédito da imagem

[1] Leonidas Santana / Shutterstock

Publicado por Luiza Brandino
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O Estado de Israel e seus conflitos
Entenda as particularidades do processo de formação do Estado de Israel e os conflitos árabe-israelenses ao longo do século XX.
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